10 abril 2006

Do estado de Nula Praxis ao nascimento da Tesoural Tertúlia Irmandade das Sombras

No ano de 1990 efectuei a minha primeira matrícula na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC) e verifiquei que essa Faculdade vivia simplesmente sem saber o que era a Praxe Académica de Coimbra. Teria talvez, bem escondidos debaixo de algum canteiro ou debaixo das mesas do bar, alguns elementos que soubessem o que era, como se praticava e como se regia a Praxe, mas à luz do dia esses senhores nunca apareceram.
Em função disso toda a Praxe praticada naquela Faculdade se resumia a actos que estavam desenquadrados do espírito Coimbrão ou que, pior, eram inacreditáveis atentados à tradição Coimbrã.
Era o que eu defino como um autêntico estado de Nula Praxis.
Há, no entanto, uma excepção que me cabe referir. Ocorreu no dia do Cortejo da Latada de 1990, à frente do Café Madeira onde se concentrava por tradição a malta da FEUC fazendo uma coluna que ía desaguar na Praça de D. Dinis para se juntar ao cortejo da Universidade. Nesse dia e nesse local, um doutor – e a Praxe designa por doutores todos os estudantes a partir da sua segunda matrícula na Universidade – fez subir a um muro elevado um caloiro, para que lêsse, alto e bom som, do código da Praxe, os artigos que diziam que aos semiputos (os doutores mais novos) apenas era permitido mobilizar um caloiro de cada vez e mesmo assim tendo a capa sobre os ombros e a pasta académica nas mãos; e que aos putos (os doutores mais novos a seguir aos semiputos) só era permitido mobilizar dois caloiros. Não sei se a leitura terminou por aqui ou se ainda se estendeu por mais detalhes e, infelizmente não me lembro do nome desse doutor que gostaria aqui de deixar gravado para a posteridade (lembro-me apenas que era de Vila Nova de Famalicão e era puto nesse ano). Com este extraordinário momento quis esse doutor ensinar, a todos os que o souberam interpretar, que a Praxe não é uma bandalheira e que cada um tem regras a cumprir se a quiser honrar (e para quem não saiba, pelo menos naquela altura o Código da Praxe de Coimbra impunha obrigações até ao Magnífico Reitor da Universidade e ao Dux Veteranorum).
Mas, voltando à questão, foi neste estado que defini como Nula Praxis que encontrei a FEUC quando lá cheguei e o efeito que isso teve sobre mim foi devastador. Fui para Coimbra na expectativa de me embrenhar num fantástico mundo cheio de mística. Encontrei uma Praxe codificada – em algum momento do primeiro trimestre de aulas já conhecia melhor o Código da Praxe do que todos os meus amigos de anos anteriores ao meu – que determinava deveres e obrigações e uma conduta de respeito mútuo entre todos os estudantes – incluindo os caloiros. Mas ao mesmo tempo encontrei a dura realidade em que poucos eram os que conheciam essa Praxe da qual eu gostava e em que os que a praticavam esporadicamente – e provavelmente por causa disso – praticavam-na de forma abastardada.
Tanto bastou para que, exercendo o meu direito à diferença – o qual ainda hoje continuo a exercer noutras vertentes da minha vida – começasse a exercer a Praxe de uma forma rigorosa e constante e ignorando os muitos que à minha volta me começavam a catalogar de louco – porque a diferença tem a tendência de ser rotulada, por muitos dos que constituem a turba que não gosta de sair da massa disforme do anonimato. Este exercício fez-se particularmente notar a partir de Maio de 1991 (lembro-me de qualquer pergunta entre escandalizada e jocosa de algum professor ao ver-me comparecer a um exame de Capa e Batina).
Acontece que neste mesmo contexto cronológico-espacial coincidiu que várias pessoas começaram a trilhar este mesmo caminho de rigor praxístico. Não vou escrever aqui os seus nomes pois perdi o contacto com algumas delas e não sei se lhes pode ser prejudicial a sua nomeação, mas em todo o caso aqui ficam as iniciais que nós, os que vivemos aqueles tempos, sabemos identificar facilmente: entrados na Universidade em 1990 CJ, TC, FDM, VM, JB e em 1991 JR e CB.
Entre estas pessoas não havia qualquer ligação prévia, nunca houve uma qualquer conversa, nunca houve concertação de nenhum tipo; simplesmente cada um por si tomou uma opção pessoal de começar a usar Capa e Batina quase diariamente, a mobilizar caloiros fora dos períodos das festas, a entrar em trupes com os colegas de outras faculdades e dessa forma a começar a mudar o estado de Nula Praxis, para o estado de Dura (mas leal) Praxis. Logicamente que o destino não demorou a fazer com que, num processo que não descreverei agora, nos tivéssemos juntado no que acabou por ser o núcleo duro que fundou a Tesoural Tertúlia Irmandade das Sombras que, sendo, como dizem os seus estatutos, uma irmandade de sombras, foi, é e será uma associação de pessoas que gostam e praticam a Praxe dentro do verdadeiro espírito da Praxe Coimbrã.

5 comentários:

Carolus Alvus disse...

Sim senhor.
Eu não conhecia essa hitória do caloiro a ler o CP para os doutores na parte dos artigos referente às mobilizações.
Uma ideia brilhante (daquelas que gostaríamos de ter tido).
Já agora e para terminar, creio que a abreviatura CB me diz respeito; se assim é, muito obrigado por me colocares junto de tão ilústres praxistas.

Georgius Brandalius disse...

Sim tu és o CB e não tens de agradecer. Gostaria que se alguém se lembrasse de mais pessoal que avise, eu só me lembro destes.

Penso que na sequência deste artigo se pode passar para a célebre reunião inaugural, a não ser que mais alguém queira ainda acrescentar mais dados introdutórios.

Carolus Alvus disse...

Eu até escreveria algo sobre essa célebre reunião inaugural, mas, como sabes, não estive presente.
Apenas fui convidado para a segunda e, por isso, não fiz parte do "Núcleo Fundador" da TTIS.

Georgius Brandalius disse...

Eu ainda me lembro de algumas coisas mas vamos esperar a ver se o Batinae tem algum registo histórico.

Um destes dias começo a pensar no assunto.

Carolus Alvus disse...

Ora bem
O presente comentário serve apenas para testar se todos os elementos da TTIS estão definitivamente a receber no conforto da sua caixa de correio electrónico, os comentários colocados no nosso Blogue.
Agradecia que respondessem para a nossa ML a confirmar a recepção.
Grato pela atenção.