31 julho 2013

O Taxeira e o Tatonas


A cidade de Coimbra sempre foi conhecida por algumas "figuras típicas" cujas idiossincrasias e histórias, associadas ao facto de pela Academia passar gente de todo o país, se tornavam em autênticas lendas a nível nacional. 
Nos tempos que passei pela Universidade, tive o raro previlégio de conhecer algumas dessas figuras, das quais destaco o Taxeira e o Tatonas, que, infelizmente, já não se encontram entre nós, mas cuja memória perdurará muito para além das suas efémeras passagens por este "vale de lágrimas". 
Claro está que poderia aqui citar alguns outros, como o sr. Xico da Académica ou como o Coelho do Bar da AAC que quase chegou a candidato presidencial (isso mesmo, a malta quase que conseguiu as assinaturas). 
Escusado será dizer que nem o Taxeira se chamava Taxeira (creio que se chamva Raúl Carvalheira) a alcunha havia-lhe sido atribuída por, em jovem, se parecer muito com um jogador de futebol chamado Teixeira, tal como é muito bem explicado no livro "Coimbra Minha" de Camilo de Araújo Correia. Muito menos o Tatonas (Daniel qualquer coisa) se chamava Tatonas. 
Eram alcunhas de Coimbra que, por definição, depois de atribuídas, acompanhavam o titular como se de um registo oficial se tratasse. 
Comecemos pelo Taxeira. 
O Taxeira (para quem não o conheceu, que creio ser a maioria dos que aqui me leem) era um sujeito, no meu tempo já velhote, muito amigo do seu cigarro e do seu copo de fino, possuidor de uma voz peculiarmente gutural queimada pelo bagaço e pelo tabaco e que sobrevivia da bondade da malta a quem cravava "uma moedinha" ou "um cigarro" nas filas das cantinas. No Verão era também habitual vê-lo pela Figueira da Foz a apregoar o Diário de Coimbra, profissão essa (ardina) que sempre foi oficialmente a sua. 
Famosos ficaram, para todos os que por ele foram cravados, os diálogos sempre iguais que tinha com a malta: "Dá-me uma moedinha!" E, perante a nega: "Vais chumbar!" ou "Vais p'rá tropa!" ditos alto e bom som para que todos ficassem a saber quem era o forreta que ali estava. Por vezes também se ouvia um elevado número de impropérios, os quais dominava com mestria, quando um ou outro estudante o provocava com uma resposta mais "torta".  Pela minha parte, forreta e de bolsa limitada como eu era, lá tive a minha dose de chumbos e de tropa... 
O Taxeira tinha também outro grande problema, sofria enormemente de cataratas. De tal forma que era quase cego. Mas, aparentemente tinha uma memória "auditiva" razoável, pois, notava-se que reconhecia muito bem as pessoas pela voz. 
Lembro-me muito bem de, certo dia, na Av. Sá da Bandeira o Taxeira ter vindo ter comigo (certamente não por me ter reconhecido, mas por ver um vulto preto) e de me dizer "Oh pá, ajuda-me aí a atravessar a rua!". Obviamente, não só o ajudei como fiz questão que me ouvisse a voz, aproveitando para falar com ele do seu tema de conversa favorito, a nossa Briosa!  Ora, a partir daí, ganhei um amigo para a vida e, escusado será dizer que jamais voltei a ser ameaçado com chumbos ou de ser enviado para a tropa. 
E, verdade seja dita, se de chumbos ainda tive minha parte, o que é certo é que à tropa nunca fui, nem à inspecção. É bom termos amigos bem colocados! 
Passemos agora ao Tatonas: 
De figura bizarra e de alguma limitação intelectual, o Tatonas, que creio que não sabia ler nem escrever, pedia uns trocados pelas mesas dos cafés apresentando uma folha de papel no qual estava mencionado o motivo do pedido. 
As folhas tinham sempre uma letra diferente e um texto do género: "Ajudem o Daniel a..." e seguidamente vinha o motivo. Lembro-me ainda de alguns como, "comprar uma camisola que está frio", ou, "comprar pastilhas para a tosse", ou o meu favorito, "comprar o bilhete de comboio para ir à praia à Figueira". Ora, vendo eu as suas mãos cheias de moedas (nunca me pareceu que ele escondesse os ganhos nos bolsos como muitos fazem...) tive que desabafar, "Oh Daniel, mas tu já tens suficiente para a viagem" (e tinha mesmo) ao que ele responde prontamente, "Mas não tenho para comer por lá". Com uma resposta dessas até um forreta como eu desembolsa uma moedinha... 
Outra vez, vendo-o chegar com o papelito cortei-lhe as vazas mostrando a minha carteira vazia e dizendo "Oh Daniel, hoje quem precisa sou eu!" Ao que ele me responde do alto da sua generosidade: "Mas, oh doutor, quanto precisa?" E estendeu-me as moedas que tinha na mão. Ora, tendo eu recusado, imediatemente me prometeu que na Queima me ofereceria uma garrafa de tinto do bom para que os dois bebessemos. 
E o mais engraçado é que volvidos alguns anos ainda se lembrava da dívida das poucas vezes que comigo se cruzava... Fica-me ao menos o consolo que um dia, que espero não esteja para breve, tenha alguém lá "no outro lado" com quem beber um copo...

1 comentário:

antonio verissimo caneira disse...

Lembro-me de alguém que era conhecido como Dr. Adesivo e que, de quando em vez, achava que era o Búfalo Bill e que se vestia a condizer. Andava muito pela Ferreira Borges onde frequentava, salvo erro, A Brasileira, café onde Miguel Torga tomava o seu café todos os dias. E até se metia com o médico/escritor a quem chamava Tarzan da Portagem.