05 julho 2006

Processos de Atribuição de Culpas (PAC)

No Convénus Mustinto passava-se muita coisa, entre elas os julgamentos (Ops, julgamentos não, pois esses apenas eram autorizados nas Republicas e nas casas comunitárias de Praxe), aliás, os Processos de Atribuição de Culpas (PAC). Os PAC’s eram feitos em moldes parecidos aos dos julgamentos, embora com algumas pequenas diferenças, mas como as Republicas eram todas contra a Praxe e não podíamos estar sempre nos “Búfalos”, tivemos que contornar essas regras para impedir que os bandidos das Republicas, que vivem à custa da Praxe (rendas, obras, gás, água, luz, compras mais baratas nos Serviços Sociais da Universidade, etc.) pelo facto de serem parte da tradição de Coimbra, viessem impedir os Praxistas de fazer julgamentos. Assim, uma vez que não podíamos fazer julgamentos, fazíamos PAC’s. Nisto tivemos sempre a conivência do Conselho de Veteranos, uma vez que alguns desses elementos também participaram em PAC’s (incluindo um indivíduo que mais tarde foi Dux Veteranorum).
Os PAC’s eram cerimónias em que eram “convidados” caloiros, uns por serem porreiros e merecerem uma “cowboyada” porreira, uma noite para recordar para sempre e contar aos netos; outros por serem “malcriados” e merecerem uma lição. Eram então constituídos por duas mesas, a mesa do júri (ou Hélder), que era presidida pelo Pai da Mesa (ou Pai do Hélder) e a mesa dos Promotores da Praxe, que era quem acusava o réu (ou Culpado), que se sentava numa sanita meio partida no meio da sala de julgamentos (também chamado “Pátio da Inquisição”, por ser uma divisão interior do Convénus, que dava acesso a todas as outras divisões) e que era defendido pelo advogado de defesa (ou cúmplice). A única iluminação destas cerimónias era a luz das velas, até porque a casa não tinha luz eléctrica.
Certa vez alguém comprou uma lamparina e nós descurámos as velas. Acontece que ninguém se lembrou de comprar combustível para a lamparina, pelo que se viram na necessidade de ir à farmácia de serviço (já seria meia noite ou mais) para ir comprar álcool; azar dos azares, o álcool não resultava naquilo e a luz não era suficiente para iluminar o PAC, por isso, após buscar e rebuscar nos nossos miolos, chegámos à conclusão que (e na falta de vontade de mandar os caloiros embora) a única solução para fazer o julgamento era arranjar velas e o único local onde se poderia “comprar” velas àquela hora era no cemitério; lá fomos então até à entrada lateral do cemitério dos Olivais e saltámos o portão, que é muito fácil de saltar, e lá fomos buscar as velas aos mortos, pois nós estávamos a necessitar muito mais delas do que eles. E porque, na verdade, o que interessa mais na vela é a intenção de quem a põe lá e não tanto se arde até ao fim ou não.
Mas a propósito de cemitérios, nós tínhamos uma certa fixação nisso, pois também lá fomos algumas vezes, a altas horas da noite, fumar um cigarrito ou um charuto e beber uns copos de tinto, deitados em cima das campas. E note-se que, pelo menos a mim, o medo dos mortos nem me passava pela cabeça; eu tinha medo era de que os vivos me vissem lá dentro e chamassem a polícia e da dificuldade que teria em explicar que lá tinha ido, às tantas da madrugada, fumar um cigarrito e beber um copo de vinho!
Voltando aos PAC’s, lembro-me de algumas situações engraçadas e vou contar aqui agora as melhores que me lembro neste momento, sem prejuízo de voltar, eu ou outro Irmão meu, a este tema mais tarde.
Certa vez houve um caloiro que mentiu a uma trupe, dizendo que era semi puto; alguns dias depois foi descoberto e foi levado a PAC; foi então acusado de ter hipnotizado a trupe, uma vez que era impossível que uma coisa tão horrenda e nojenta e malcheirosa como aquela ter passado por uma coisa tão maravilhosa como um doutor a não ser que tivesse hipnotizado os doutores; foi-lhe então perguntado “que métodos diabolistas” tinha ele utilizado para hipnotizar a trupe, ao que ele respondeu, rápida e espontâneamente, “marsupiais”; nesta altura, de imediato, como se fosse impulsionado por uma mola, o Tourais levanta-se e grita: “Oh! Precisamente os mais graves e condenáveis!”; foi um fartote de rir, inclusivamente o caloiro.
Outra vez, o Tomásio começa a dizer, com muita calma e serenidade, que tinham "aparecido riscos vermelhos ao longo das estradas e caminhos e autoestradas e aeroportos de Portugal"; fazia-se silêncio, sem ninguém saber ao certo aonde é que ele queria chegar com esta conversa; eis senão quando o Tomásio vira-se para o caloiro e grita-lhe: “Quando é que o caloiro perde a mania de andar a arrastar as hemorróidas pelo chão?!”. Foi até às lágrimas.
Tivemos um caloiro que era nosso amigo e um dia dissemos-lhe para ele passar por lá, pois íamos fazer um julgamento. E não é que ele passou mesmo? Consta que contou essa história ao pai, quando este o viu chegar rapado a casa, ao que o pai lhe disse: “foste inteligente; continua assim…”. Grande Chimbarrafaralho! Este velhaco morou comigo e não estudava nada, pelo que acabou por ter de ir terminar o curso ao Porto, à Universidade Católica, onde é mais fácil.
Tínhamos também um colega que ganhou o nome num julgamento. Foi o Sá Penela. Esse velhaco era um gozão danado e tinha sido convidado para ir assistir a um PAC nosso, mas não conseguiu resistir muito tempo sem falar e gozar um pouco o caloiro. Assim, nós tínhamos o costume de, quando estávamos sem inspiração, pegar nuns “calhamaços” enormes que um antigo inquilino médico do Convénus lá tinha deixado e ler ao acaso, dizendo que na página tal do volume tal do seu processo constava isto… e líamos coisas que eram completamente fora do contexto do que ali se passava, mas que servia para ver se se apanhava algo em que desse para pegar ou ver se alguém tinha uma súbita inspiração; nesse dia li qualquer coisa que terminava com “… como dizia o Doutor Sá Penela.”. Perguntou-se na sala: “quem é o Doutor Sá Penela?”. Logo o Sá Penela: “Sou eu!”. Lá falou com a sua graça de sempre e acabou por ficar o Sá Penela.
Um dia tivemos um caloiro que se chamava Rodrigo e nesta altura era já o Sá Penela uma presença regular nos nossos PAC´s como Promotor da Praxe, por isso pediu para ser ele a acusar o caloiro. Com a sua graça e modo atabalhoado de falar começou a misturar personagens de uma antiga novela brasileira e acusou o caloiro de ter vivido há uns anos atrás no Brasil, onde tinha um burro chamado jegue; um dia meteu um funil no cú do burro e tanta p… lhe bateu e tanto b… lhe fez até lhe saber a doce! (a história da telenovala era de um burro – também chamado "jegue" no Brasil – que se chamava Rodrigues, mas o gozo foi geral na mesma).
Pronto, certamente ainda muito se escreverá acerca de julgamentos (ou PAC´s) no Convénus, mas estes são os que me recordo agora.

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