26 agosto 2007

No Pinto

Durante muitos anos, tivemos o hábito de ir até ao Pinto (uma tasca da Alta de Coimbra, por trás do Museu Machado de Castro) e beber uns valentes copázios. Sentíamo-nos muito bem naquela taberna, onde éramos muito bem tratados, onde nos tratavam pelo nome (eu era o Quinzinho), onde podíamos beber à vontade e pagar no fim, pois nunca éramos enganados (havia tascas que tínhamos que pagar logo, senão, no fim, éramos sempre burlados, pois diziam sempre que tínhamos bebido mais) e onde acabamos por conhecer os clientes habituais – velhotes ou outros estudantes. Enfim, éramos quase uma família e, ainda hoje, quando lá vamos, oferecem-nos sempre uma jeropiga especial ou outra bebida caseira e perguntam sempre pelo que é feito dos outros daquela geração. Hoje vou aqui contar algumas das histórias que por lá vivemos.
Certa vez, como tanta vez aconteceu ao longo de muitos anos, estávamos lá, de tarde, a beber o nosso copito de traçado, quando apareceu um indivíduo vagabundo, inglês, que vagueou por Coimbra durante alguns anos, mas que, na altura, ainda por lá andava há pouco tempo; eu já o tinha visto a vaguear pela zona da AAC, a murmurar e a rir-se sozinho, rua fora, mas no Pinto foi a primeira vez que o vi. Já não me lembro se o gajo se abeirou de nós ou se alguém veio ter connosco e disse que o gajo estava a ver se alguém lhe pagava uma cerveja. O certo é que eu tive pena do homem e fiz uma “vaquinha” para dar a tal cerveja ao gajo. Paguei a cerveja ao Sr. Pinto e ia para entregar a “mini”, quando o Marralheiro ma tirou da mão e disse que isto não podia ser assim de mão beijada; não percebendo nada de inglês, pediu-me para dizer ao gajo que só lhe dávamos a cerveja se ele deixasse o Marralheiro chamar-lhe cinco vezes “burro” (esta história foi inspirada num livro de memórias de um antigo estudante de Coimbra chamado “Coimbra Minha”, mas como tentávamos reviver o passado de Coimbra, tudo o que lêssemos era tentado pôr em prática nos anos noventa do século XX). Lá expliquei ao homem o que o Marralheiro queria e o inglês disse que sim; expliquei o que a palavra “burro” queria dizer em inglês e a atitude do cromo foi rir-se muito e dizer que sim. Começou então o Marralheiro, com a cerveja numa mão, mesmo em frente ao nariz do gajo, com o seu ar sádico, olhos nos olhos, e em voz bastante alta.
- Burrrrrrrrro! Já te chamei burro uma vez, meu burro, já só falta chamar-te burro mais quatro vezes!
Fazia uma pausa de 3 segundos e voltava a atacar:
- Burrrrrrrrro! Já te chamei burro duas vezes, já só falta chamar-te burro mais três vezes, meu grande burro!
Mais uma pausa de 3 segundos e novo ataque:
- Burrrrrrrrro! Já te chamei burro três vezes, meu granda burro, já só falta chamar-te burro mais…
Nesta altura ouve-se uma voz de um velhote que por lá estava:
- Mais burro és tu, que aí estas vestido com essa merda!
O que o homem foi dizer! O Marralheiro, lixado, (e com razão) vira-se para o homem e queria ir-lhe às fuças; que aquilo não era nada com ele; que não tinha o direito de chamar merda à roupa que vestia com tanto orgulho; que viesse lá para fora, que já lhe mostrava quem era burro e quem vestia merda… E não fosse o Sr. Pinto, a D. Adelina e o resto das pessoas que lá estavam (o nosso grupo e o grupo do velhote) e o Marralheiro tinha-lhe sacudido o pó à roupa!
Mas o Pinto era também o sítio onde o pessoal ia para afogar as mágoas quando os exames ou a vida amorosa não corria bem. Certo dia o Branquinho vira-se para mim, vendo que eu andava em baixo e pergunta-me: “Olha lá, queres vir ao Pinto beber um copo daqui a bocado?”, ao que lhe respondi uma frase que ficou célebre no nosso grupo e passou a ser usada muitas vezes posteriormente: “Ao Pinto? Caro amigo, lá estarei!”. Não sei se foi nesse dia que eu fui para lá, desgostoso de amor e bebi, bebi, bebi… e comer, nada; a certa altura, o Sr. Pinto, vendo que assim ia ficar mal, perguntou-me se eu não comia nada, ao que lhe respondi, muito triste, outra frase que também ficou célebre: “ Não… Hoje estou de dieta líquida!”.
Foi também no Pinto, por ocasião de um aniversário do Branquinho, que eu o vi, uma das muito raras vezes, apanhar uma boa bebedeira; nessa ocasião ficou também célebre uma frase dele, pois ao gozarmos com ele por causa dele estar bêbado, ele insistia que: “Não estou bêbado, estou só alegrete! Tenho apenas uma ligeira descoordenação motora!”; o certo é que, passado um bocado, lá estava ele a chibar-se todo, o que fez com que gozássemos com ele, perguntando se aquilo também era uma descoordenação motora. Ficou sempre aquela frase e muitas mais vezes a usámos, sempre que alguém nos acusava de estarmos bêbados: “Bêbado, eu? Eu estou só alegrete! Tenho apenas uma ligeira descoordenação motora!”; ou então, no dia seguinte a alguém se emborrachar todo, dizíamos: “Tu ontem estavas mesmo alegrete! Estavas cá com uma descoordenação motora!”.
Foi também numa das nossas incursões ao Pinto que, certa vez, uma colega nossa apanhou uma daquelas bebedeiras que começou a perder os sentidos. Como aquilo não era devido a ter bebido muito, mas sim ao facto de lhe suceder aquele tipo de coisas sempre que bebia um pouco, o que resolvemos fazer foi, assim que ela deu acordo de sí, metemo-la no carro do Branquinho e fomos levá-la a casa. Correu tudo muito bem até ao momento em que o Branquinho voltou a parar o carro no largo da Sé Nova, eu abri a porta do carro e preparava-me para sair e não consegui; conta quem viu a cena que eu cheguei a chorar por não me conseguir levantar e sair do carro; e a verdade é que não conseguia mesmo, e isso desesperava-me. Mas também foi situação que se resolveu rapidamente assim que o Branquinho me tirou o cinto de segurança do carro e pudemos, então, enfrascar-nos mais um bocado no Pinto.
Para terminar por hoje, apenas vou contar aqui mais uma história que devia ser contada pelo Marralheiro, mas visto que ele não é capaz sequer de se inscrever no blogue, muito menos é capaz de se dignar escrever aqui uma linha que seja, e que é a “história do mini”!
Pois é, esta bela história passou-se na Queima das Fitas, já não sei (nem interessa) de que ano. Como sempre, começávamos a noite no Pinto a emborrachar-nos e só depois íamos ao Parque. Lembro-me que, nessa noite, estava muita gente do nosso grupo no Pinto. A certa altura, o Marralheiro desapareceu, mas não fizemos caso disso, pois ele saberia voltar quando quisesse. Quando voltou, vinha todo contente, pois tinha inventado um desporto radical (como é moda agora – “desportos radicais” e “adrenalina”; descobriram a palavra “adrenalina”, agora ninguém os cala com isso) que consistia em sentar-se no corrimão de pedra da Igreja de S. Salvador e escorregar por ela abaixo até bater com os pés no vidro traseiro de um Mini que lá estava estacionado. Como ninguém se entusiasmou com a ideia, pois estávamos todos entretidos no paleio e a beber forte e feio, o gajo para lá voltou, sozinho. Acontece que, numa das descidas do corrimão, os pés do Marralheiro (e o próprio Marralheiro) não pararam no vidro, mas sim dentro do próprio Mini. O Branquinho, que tinha ido tomar ar, assistiu a este triste fim do desporto radical do Marralheiro, tal como uma senhora que estava à janela e começou, ao que parece, aos berros; e a partir daqui a história diverge, pois o Marralheiro diz que se queria pisgar e ninguém saberia quem foi, e o Branquinho diz que a senhora o conhecia e seria apanhado caso fugisse e depois seria mais vergonhoso. A verdade é que, a conselho do Branquinho, o Marralheiro foi ao Pinto e contou a história à D. Adelina e ao Sr. Pinto e acabou por pagar o vidro, o que foi bastante penoso, pois acho que lhe custou dez contos na altura (50 euros) e a sua mesada era, salvo erro, de 25 ou 30 contos.
Mas, enfim, são águas passadas e quem me dera poder pagar muitos 10 contos e poder voltar àqueles tempos.

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