24 abril 2008

Breve História da Praxe de Coimbra

Certo dia fui convidado, como Praxista, para participar num debate acerca da Praxe Académica de Coimbra, no auditório da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Como seria um dos oradores (juntamente com o Dux Veteranorum – João Luís Jesus – e dois anti-praxistas), pediram-me para fazer uma pequena história da Praxe, bem como expressar as minhas ideias acerca do actual estado e do que antevejo como futuro da Praxe, o que fiz com todo o gosto. Baseando-me nesse trabalho, achei que era interessante aqui publicá-lo, não sem referir que este foi, essencialmente, baseado no livro de Alberto Sousa Lamy “A Academia de Coimbra 1537-1990”.


INTRODUÇÃO

Antes de tudo, importa definir o que é a Praxe de Coimbra (a única verdadeira Praxe, aliás). Temos várias definições, consoante os autores:
Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira: “conjunto de costumes especiais e convenções a que, de certo modo e com ligeiras excepções, davam adesão todos os estudantes, voluntariamente na maior parte das vezes”;
Amílcar Ferreira de Castro: “conjunto de normas que regem as relações académicas entre os estudantes de Coimbra”;
Nicolau da Costa: “conjunto de tradições, codificadas pela prática de séculos, e que através dos tempos, mesmo em curto prazo, sofria mutações constantes e variações em permanente evolução”;
António Rodrigues Lopes: “conjunto de regras ou normas de conduta coactivamente impostas com vista a regular ou garantir os usos e costumes tradicionais na academia coimbrã”;
Código da Praxe Académica de Coimbra: “conjunto de usos e costumes tradicionalmente existentes entre os estudantes da cidade de Coimbra e os que forem decretados pelo Conselho de Veteranos”.

De todas estas definições, saltam à vista duas coisas:
1. São normas e regras de conduta existentes há muitos anos, com uma forte implantação cultural e, normalmente, bem aceites;
2. Não há uma obrigatoriedade de se aderir à Praxe. Só adere quem quer e as pessoas, na sua esmagadora maioria, querem a Praxe (como é bem visível, nomeadamente na Queima das Fitas e na Latada, quando milhares e milhares de estudantes de Coimbra, envergando capa e batina, participam nestas festas da Praxe de Coimbra).

Após esta pequena introdução, e segundo averiguei, a Praxe (não será, nesta altura ainda o termo correcto) existe praticamente desde a fundação da Universidade de Coimbra, mas está mais bem documentada a partir do século XVIII, bem como começou a dar-se um nome a estas actividades que existiam entre os estudantes e, ao mesmo tempo, a haver uma certa organização destas mesmas actividades.
Assim, podemos, desde esta altura, dividir estas actividades em 4 períodos diferentes, cada um com as suas características e mesmo com a sua denominação: séc. XVIII (Investidas); 1ª metade do séc. XIX (Caçoada); 2ª metade do séc. XIX (Troça) e finais do séc. XIX até aos nossos dias (Praxe).


INVESTIDAS (Séc. XVIII)

Desde o início do séc. XVIII, o termo utilizado era a “investida”. As “investidas” eram, segundo alguns autores, “divertimentos brutais que podiam incluir a tourada, a «picaria», insultos, a «patente» e troças”. Muitas vezes estes divertimentos acabavam mal e chagava mesmo, em casos extremos, a causar mortes. Por causa disso, em 7 de Janeiro de 1727, D. João V chegou mesmo a proibir essas mesmas investidas (claro que nunca conseguiu acabar com elas). Havia mesmo o favorecimento dos bufos que contassem quem continuava a praticar tais actos, e que permaneceriam anónimos. Com medo das investidas, muitos estudantes nem vinham para Coimbra no primeiro ano e só cá vinham para os exames, gerando falta de frequência às aulas (tinha a vantagem de não terem turmas superlotadas nas cadeiras do 1º ano). Acontece que. Para se evitar a situação de alguém se escapar às investidas, muitas vezes, quem não aparecesse em Coimbra no primeiro ano era “chateado” à mesma no segundo.
António Sanches diz que “não havia defesa daquelas bárbaras e indecentes investidas, feitas com violência e desacatos, armados os agressores como para assaltar um castelo”. Citando o Palito Métrico (livro de referência para a história da Praxe de Coimbra), no meio de versos onde se contavam algumas das coisas que se faziam na altura, aparecem versos como:


“que a repetidos golpes de um chicote
por toda a sala o faz andar a trote.”


ou


“pois lhe chega a escarrar na própria cara.”


Ou ainda


“se festeja um novato, que inocente
depois de sofrer quanto tenho escrito
ainda paga o doce, que não come,
porque a turba voraz tudo consome.”


(hoje em dia é proibido extorquir caloiros).
O Palito Métrico diz ainda:

“porque o mais barato que se lhe fazia era pôr-lhe uma albarda ou meter-lhe uma palha na boca, dar-lhe uma dúzia de açoites e levá-los com cabresto ao chafariz.”.


Como se sabe, já nada destas coisas acontecem hoje em dia e ainda bem, pois não é isto que os praxistas defendem.
Mas isto que se passava em Coimbra, passava-se também em Espanha.
Em Alcalá, havia a “Praxe de sacar nevado”, que consistia em cobrir o caloiro de escarros! Francisco de Quevedo conta:


“começaram a pigarrear e nas tosses e no abrir e fechar das bocas, vi que me aparelhavam escarros”


e continua:


“foi tal a bateria e a chuvada que caiu sobre mim...”


e mais à frente conta que:


“tinha coberto o rosto com a capa e era tão bom alvo que todos atiravam sobre mim; era de ver como acertavam a pontaria.”


Como o caloiro continuou com a cara tapada, houve alguém que gritou:


“basta, não o mateis!; destapei a cara para ver o que era e, nesse mesmo instante, o que dera os gritos cravou-me um escarro entre os olhos.”


Como se vê, nesta altura as coisas passavam-se de uma forma brutal e não se restringiam a Coimbra.



CAÇOADA (1ª metade do séc. XIX)

No início do séc. XIX o termo Praxe ainda não existia. O termo utilizado era a “caçoada” e era já bastante mais suave que a “investida” do séc. XVIII. As caçoadas incluíam mais o insulto, a tourada ou a «picaria».
Em 1818, Filipe Alberto Patroni na sua “Dissertação sobre o direito de caçoar, que compete aos veteranos das academias” (aqui faço um parêntesis: nesta altura, veterano era o estudante com mais do que uma matrícula e não deve ser entendido com o sentido de veterano de hoje; não consta que houvesse graus na altura) mostra a existência do direito de caçoar e marca os seus limites. Para Patroni, a caçoada servia para os veteranos darem largas à sua jovialidade e para desembaraçar os novatos, daí o direito e até mesmo o dever que os veteranos tinham de caçoar os novatos. Citando então Patroni:


“da caçoada por sua natureza não deve resultar dano algum ao caçoado: é isto inegável, porque caçoar é um vocábulo derivado do adjectivo latino «cassus», que significa «coisa vã»”.
Diz ainda, e muito bem, que os abusos devem ser reprimidos e que apenas os bons veteranos deviam ter o direito de caçoar.


TROÇA (2ª metade do séc. XIX)

Relativamente à «troça», as diferenças em relação à «caçoada» são muito poucas e apenas o gozo aos caloiros começou a ser chamado de outra maneira. Conta-se que a “troça consistia em manter o caloiro no meio de uma roda, fazê-lo cantar e dançar, gozar com ele”, cortar-lhe o cabelo e outras brincadeiras mais ou menos inofensivas.
É na segunda metade do séc. XIX (1883) que começa a Praxe de trupe. A origem da Praxe de trupe vem do facto de se ter acabado com o «foro académico» e o consequente findar das rondas da polícia académica.
Em 1312 D. Dinis ordena que sejam presos os estudantes que andassem na rua depois do 3º toque do sino da Sé. Com mais ou menos alterações, estas disposições foram mantidas e a polícia académica fazia rondas pelas ruas prendendo os estudantes que apanhasse na rua após essa hora, metendo-os na cadeia da Universidade; os estudantes que fossem apanhados na rua após esta hora estavam sujeitos a pesadas penas; com o fim do «foro académico», passou a ser permitido aos estudantes permanecerem na rua após essa hora. Os estudantes mais velhos resolveram “castigar” os que chegassem entretanto e impor-lhes esse recolher obrigatório, ao menos por um ano. Assim surgiram as trupes, que, rapando os caloiros que andavam na rua após as seis da tarde, fazia ao mesmo tempo com que os professores soubessem quem eram os estudantes mais «borguistas». Os professores mais conservadores depois encarregavam-se de “tramar” esses “borguistas” à sua maneira.


PRAXE (fim do séc. XIX até à restauração de 1980, após o luto)

A mudança relativamente à «troça» é mais uma mudança de nome, tal como a «troça» já o havia sido em relação à «caçoada».
É em finais do século XIX, já sendo estes hábitos denominados Praxe, que termina o secular hábito do «canelão» após uma campanha terrível de um anti praxista, que defendia a idiotice de que se deitassem flores e se fizessem sessões solenes e festas pomposas na recepção aos caloiros (como se os caloiros fossem uma grande coisa); o «canelão» consistia na prática de dar caneladas aos caloiros enquanto estes atravessavam a Porta Férrea. Recordo que nesta altura a Universidade de Coimbra era toda da Porta Férrea para dentro. Esta prática foi proibida pelo Reitor e iniciou-se a «pastada», que consistia em dar pastadas nos caloiros. Estes hábitos eram bastante menos violentos, excepto quando os doutores punham livros ou pedras dentro das pastas.
Após a implantação da república em 1910, a Praxe teve uma grande diminuição. O uso da capa e batina praticamente desapareceu e foi só em 1914, que começou a haver um ressurgir da Praxe. As coisas foram muito complicadas, pois a esquerda não concordou com o ressurgimento da Praxe; deram-se muitas polémicas, muita pancadaria, muito abaixo-assinado, muito artigo de jornal, houve até mortos e feridos, mas a Praxe ressurgiu.
Durante todo o século XX até 1969 (ano do luto académico) a Praxe foi uma realidade indiscutível e apenas houve uma pequena discussão por causa de um senhor (que nem vale a pena citar aqui o nome dele, pois seria dar-lhe uma importância que ele não tem) que escreveu um livro sobre um espantalho.
Foi também neste século que se deram as tentativas de codificação da Praxe (ou, pelo menos, as que se conhecem):
1. 1916 - Barbosa de Carvalho publicou as “Leis extravagantes da Academia de Coimbra” ou o “Código das muitas partidas”
2. 1925 – Dinis de Carvalho, Henrique Pereira da Mota e Sousa Ribeiro publicam “As Praxes Académicas de Coimbra”
3. 1927 – Belmiro Pereira e em
4. 1940 – Fausto Gonçalves Ventura, tentam fazer uma compilação das normas avulsas respeitantes à Praxe, com a finalidade de ser publicado um Código da Praxe de Coimbra;
5. 1957 - Mário Saraiva de Andrade e Victor Dias Barros veem o seu projecto de Código da Praxe ser aprovado pelo Conselho de Veteranos. Este código, viria a ser revisto mais tarde em 1993 e 2001;

As práticas praxistas mais famosas e mais usuais ao longo do século foram:
1.Pagar a patente – este hábito vem já, pelo menos, do séc. XVIII e consistia em levar o caloiro até uma tasca e fazê-lo pagar, muitas vezes sem sequer o deixar comer ou beber nada, como atesta a seguinte citação de um caloiro do séc. XVIII: “onde me levaram pela rua da Calçada, aonde paguei as bebidas que eles quiseram gastar; e, o que mais foi, que não consentiram que eu petiscasse, dizendo-me que não era o mel para a boca do asno.”;
2.Mobilização – consistia em obrigar o caloiro a fazer tudo o que apetecia ao dr., nomeadamente, havia o hábito de levar o caloiro para casa e obrigá-lo a fazer todo o tipo de trabalhos domésticos, como atesta a citação sábia de um doutor: “pode-lhe exigir que varra o quarto, que faça a cama, que limpe o pó da mobília no quarto existente, fazer despejos, trazer ao pescoço um chocalho, à laia de touro – que o é...” e obrigavam-nos a fazer mudanças e mesmo a levar os sacos dos doutores à estação;
3.Grau – o grau era uma paródia que se fazia aos doutoramentos, em que se obrigava o caloiro a defender uma qualquer tese absurda, perante um júri severíssimo, numa sala repleta de drs., uma espécie de julgamento em que, entre muitas tropelias ao caloiro, era-lhe concedido o grau e, muitas vezes era também aliviado do peso da crina; o grau era mais utilizado para caloiros desobedientes ou insolentes;
4.Fuzilamento – consistia em pôr um caloiro de braços amarrados como para ser fuzilado; diziam-se os responsos, encomendava-se-lhe a alma, chamava-se algum ou alguns estudantes armados, apontavam ao caloiro, era dada a ordem de fogo e, nesta altura, em vez de fogo eram-lhe lançadas batatas e cebolas;
5.Sangria – consistia em vendar um caloiro, sentá-lo e esticar-lhe o braço; depois, fingiam que lhe davam um golpe no pulso e deitavam-lhe água morna sobre o pulso de forma que lhe parecesse sangue e que ouvisse a água a pingar; entretanto, começavam a fingir que estavam a tentar estancar-lhe o sangue e não conseguiam, a amaldiçoar a vida por a coisa estar a correr mal e, por fim, a combinarem já o que iriam fazer ao cadáver para não serem apanhados;
6.Julgamentos – são cerimónias muito semelhantes ao grau, apenas com uma acusação, uma defesa, também com muitas tropelias e que raramente terminam sem ser com os rapaços do caloiro acusado e do caloiro advogado de defesa;
7.Canelão e Pastada, que já aludi atrás;
8.Rapanço – é uma tradição que não vale a pena explicar o que é, pois todos sabem e que está já documentada, pelo menos, desde 1720;
9.Unhas e colheradas – também pouco há a dizer sobre esta prática; apenas de notar que aqui está a única coisa na Praxe que tem que ser impar: o número de colheradas a aplicar por cada um.

Em 1969, vem então mais um rude golpe para a Praxe, pois sem que uma coisa tivesse absolutamente nada a ver com outra, houve indivíduos que resolveram misturar Praxe com política. Resolveu-se, então, suspender (ou abolir) a Praxe por motivos completamente alheios à mesma. Apesar disso, a Academia sempre continuou a desejar o regresso da Praxe, mesmo no conturbado período revolucionário pós 25/4/1974, em que toda a gente era contra a direita e em que se pretendia associar a Praxe à direita.
António Rodrigues Lopes diz:


“ A abolição da Praxe não beneficiou ninguém salvo interesses estranhos à sociedade tradicional e à Coimbra-cidade (...) Os estudantes chegados a Coimbra depois de 69 já não tiveram a oportunidade de experimentar a tradicional camaradagem e menos a Praxe. Tomaram conhecimento dela como fosse simples episódio histórico e sob versões com escassa ligação com a realidade, porquanto a deturpação intencional conduzia a imagens que apenas aproveitava ao ideário do Processo como, por exemplo, o argumento de que a Praxe favorecia a existência do regime deposto em 25/4.”;


Isto tudo é absolutamente ridículo, tanto mais que, como já disse, estas práticas entre estudantes de Coimbra a que hoje chamamos Praxe, já existiam alguns séculos antes dos avós do Prof. Salazar terem nascido.
Durante a crise, houve muita contra informação contra a Praxe, levada a cabo sobretudo por elementos de extrema-esquerda. Também houve tentativas de não deixar a tradição morrer, nomeadamente por parte de indivíduos que tentaram organizar queimas das fitas encapotadas e mesmo a emitirem selos da queima.
Em Maio de 1979 surge o «Movimento Pró Reorganização e Restauração da Praxe Académica de Coimbra» e de 2 a 7 de Junho do mesmo ano houve a semana académica (uma Queima das Fitas disfarçada), que trouxe à rua estudantes de capa e batina (o que já não acontecia há 10 anos) e que provocou o aplauso de milhares de cidadãos da cidade de Coimbra. Claro que os anti praxistas estiveram por perto, causaram alguns desacatos e insultaram quem envergava capa e batina; de 18 a 25 de Janeiro de 1980, realizou-se a Semana de Recepção ao Caloiro, embora periodicamente os anti praxistas continuassem a provocar desacatos, mas, de 22 a 28 de Maio de 1980, após 11 anos de interregno, volta a realizar-se a Queima das Fitas. O largo da Sé Velha encheu-se completamente, vestido de capa e batina, para assistir à serenata monumental, sinal de que os estudantes aderiram em massa ao retorno da Praxe, apesar de as escaramuças provocadas por anti praxistas continuarem, provocando, inclusive, alguns feridos, como foi o caso em que indivíduos da república práquistão provocaram feridos quando atiraram caixotes, garrafas e outros objectos sobre estudantes que passavam na rua.
Nesse ano, cerca de 200.000 pessoas assistiram ao cortejo dos quartanistas e, mais uma vez, os anti praxistas tentaram boicotar a festa, mas acabaram por ser corridos. Finalmente, em 1984, a suspensão dos aspectos punitivos do código da Praxe foi revogada e a Praxe voltou, teoricamente, ao que era antes do luto académico.
No meio de tanta polémica que houve contra e a favor da Praxe, gostaria de citar Fernando Namora, indivíduo de esquerda e nem sequer muito simpatizante das ideias da Praxe e que dizia assim, em 1980:


“A esquerda cometerá um erro (mais um), se (...) deixar à direita a exclusiva recuperação de um talvez irreprimível fascínio pelo que, na vida universitária, foi rito congregador e rito que em muito ajudou na modelação de um modo de ser. Perguntem-no a quem passou por Coimbra.”;


Isto para dizer que devemos todos, esquerda, direita e centro, deixar as politiquices que nada interessam e lutemos todos juntos pela preservação da nossa identidade cultural.



PRAXE NOS NOSSOS TEMPOS

*Muita ignorância em relação aos preceitos e regras da Praxe;
*Ninguém se dá sequer ao trabalho de ler o Código da Praxe (já nem falando de outros livros) e há mesmo quem já me tenha jurado que o leu e que leu lá coisas que nem sequer lá estão! E insistem, e juram a pés juntos que leram;
*Hoje em dia vêem-se coisas fabulosas como:
- Indivíduos não veteranos a praxar à futrica;
- Semi putos fora de horas a dizer que as trupes não estão bem;
- Se se faz uma trupe embuçado, dizem que somos covardes, se as fazemos só com a capa traçada, dizem que não pode ser (história do velho o rapaz e o burro);
*Espalharam-se boatos, após o ressurgimento da Praxe em 1980, sem nenhum sentido e que passaram a ser adoptados como verdades absolutas, como por exemplo:
- Sapatos com cordões em número impar (de facto, só um cordão por sapato e os sapatos até podem nem ter cordões!);
- Distintivos da capa em número impar;
- A namorada protege das trupes;
- O desfile dos “novos fitados”, em vez do “cortejo dos quartanistas grelados”;
- O grito académico (“FRA-A” – em vez de “FRA-Frá” - , arriquá ou ariquá – em vez de alequá – E arrastar muito um “E”, que não existe, enquanto todos gritam ao mesmo tempo, no FRU, fazendo EEEEEEEEEEEEEFRU-FRU!);
- Que o caloiro não pode usar capa e batina;
-Que o caloiro não pode traçar a capa nem usar “insígnias” (confusão entre insígnias e distintivos);
*Muita displicência na maneira como se exerce a Praxe, mesmo para quem conhece as regras básicas;
*Cada um só quer utilizar a Praxe na medida em que esta o favoreça e recusa as obrigações inerentes a quem aceita estar na Praxe:

- Indivíduos que, indo em trupe agem de uma maneira e, sendo apanhados por estas, agem de outra:
§ “ele só saiu hoje, porque eu lhe garanti que não era rapado” – quem é ele para garantir isso? Pode garantir que não se é multado? Pode garantir o totoloto?;
§ “ele nunca saiu ao longo do ano, foi hoje a primeira vez” – e eu com isso? E eu acredito nisso? Pode a polícia ser impedida de multar quando me apanha em transgressão, só porque eu lhe garanto que cumpro sempre o código da estrada? E nem pode haver excepções.
- Mas quando vão em trupe, ficam revoltados quando outros se sujeitam a estes papéis ridículos.
- Recusa em aceitar as regras quando não lhes convém, mesmo quando são informados com boas maneiras;
§ O caso dos distintivos na lapela quando se exerce Praxe;
§ O caso das pulseiras de muita estimação;
§ Indivíduos que largam a capa e andam só de batina;
§ Andam com insígnias pessoais e com distintivos na lapela; (exemplo das fotos de finalistas em que se recusam a tirar porque há outras com brincos – se sou apanhado pela polícia a 200Km/h, posso-me recusar a pagar porque outros vão a 250?);
*Palavra de honra em falso (é triste que muita gente já não tenha honra hoje em dia);
*Copiam-se coisas de outras universidades;
*Estudantes embebedam-se forte e feio na queima das fitas e latada e julgam que tudo lhes é permitido pelo facto de usarem a capa e batina, o que os torna, por vezes, mal vistos pela população (grande parte dos estudantes não sabem beber).



FUTURO DA PRAXE DE COIMBRA

*Praxe de uma semana, como nas outras universidades e institutos, que não têm tradição;
*Tendência para ser “quanto mais ordinário e grosseiro melhor”;
*Agravamento da ignorância completa das regras;
*Cada um vai fazer o que lhe der na real gana, fazendo a Praxe aparecer nos noticiários, pelos piores motivos (como nas outras universidades e institutos);
*Uso da capa e batina só na 1ª semana de aulas, na latada, na queima, nos jantares de curso, nos rasganços e para vender postais;
*Fim da Praxe de trupe;
*Não acredito no fim completo da Praxe.

Principais motivos para tudo isto:
§ Luto académico, que interrompeu a transmissão oral dos conhecimentos;
§ Falta de interesse da generalidade dos estudantes pela manutenção das nossas tradições;
§ Propinas, que obrigam a maior aplicação nos estudos e menos tempo para isto;
§ Mudança do estilo de vida, que passa mais por bares e discotecas;
§ Dispersão da Universidade de Coimbra, que torna difícil haver quem ponha ordem;
§ Crescimento do número de estudantes na Universidade de Coimbra;
§ Muito maior necessidade de tirar o curso e mais rapidamente; note-se que aqui há 40 ou mais anos atrás, o nível de instrução era muito menor e quem viesse para a Universidade seria um senhor, mesmo que nunca acabasse o curso e hoje já não é bem assim; inclusive, quem demorar muito hoje em dia para tirar o curso, ou tem uma boa cunha, ou tem muita sorte ou vai ter muitas dificuldades para arranjar um emprego em condições;

Só para terminar, devo dizer que, apesar do meu péssimismo em relação ao futuro da Praxe, a verdade é que Coimbra continuará a ser sempre Coimbra, continuará a ser a cidade e a Universidade que ninguém jamais esquecerá, continuará a ser a cidade e a Universidade que causará sempre uma lágrima no olho de todos os que cá estudaram, de cada vez que se lembrarem dos anos que por cá passaram, continuará ser a cidade e a Universidade que inspiraram dezenas de estudantes a escrever as suas memórias de estudante em livros plenos de graça e, sobretudo, de saudade, e que, segundo os alfarrabistas, são livros de muito grande procura o que demonstra que o espírito de Coimbra e da Praxe de Coimbra está bastante presente por todo o lado para onde se vá.

12 comentários:

Anónimo disse...

É com enorme desagrado que leio estas suas palavras...parece que tudo o que até agora vivi e pensei ser o correcto em relação à Praxe não passa de um erro atrás de outro!
De facto, erro meu, não li o livro Código da Praxe (é assim intitulado?), mas também porque como tudo anda de boca em boca, julgava eu andar minimamente bem informada.
Mas como chegam as coisas a este ponto? andarmos a fazer e dizer coisas que nada têm a ver com a tradição, com a Praxe??
a minha tristeza aumenta, quando vejo universidades, como é o caso da Universidade da Beira Interior, a ultrapassarem a de Coimbra neste aspecto. Na universidade acima referida todos têm gosto no seu traje, têm de obedecer rigorosamente às regras,pelo menos uma vez no ano são revistos pela entidade máxima para esta averiguar se o seu traje respeita todas as normas ...
Sou aluna do segundo ano de Economia, nem sei qual a minha posição perante a praxe, nem o que fazer na Queima e assim, pois tudo o que me foi transmitido parece estar completamente errado.
ainda mais com a recente alteração do Código...
Não poderemos fazer nada para alterar a situação e dar informação aos estudantes do que é a verdadeira Praxe em Coimbra e que como, nós, estudantes de Coimbra, devemos actuar perante as festividades e assim?
Uma certeza me resta, com toda a certeza,sou estudante da Universidade de Coimbra, e tenho muito orgulho nisso!

Batinas disse...

Atenção que nem tudo o que se espalha por via oral está errado! Mas há muita coisa que não é correcta e que, quem não sabe e faz mal, não sabe ter a humildade de reconhecer e corrigir, antes optando por ser malcriado para quem o está a informar. Agora até já se vê (como eu vi nesta queima) pessoas a irem lá para baixo, para o parque, à futrica e com a cartola e a bengala! De resto, eu, acima de tudo, lamento que as pessoas estejam a perder o espírito académico e a vontade ou humildade de aprender e tentar fazer as coisas como estas devem ser feitas e não como lhes dá jeito. Quanto a muita coisa se perder no futuro, isso também é culpa, como eu disse no "post", da dispersão e do aumento do número de alunos na universidade; claro que é muito mais fácil de se controlar os abusos quando se tem uma universidade com 4 ou 5 mil alunos todos no mesmo local do que com 30 mil dispersos por 4 polos! Mas reconheço que com as alterações que têm vindo a ser feitas à Queima e ao código da Praxe, as cosas também não são facilitadas!

Batinas disse...

Já agora, só mais uma coisa, para quem até parece estar interessado por estes assuntos de Praxe e vida académica de Coimbra. Além de não fazer nada de mal ler estas nossas histórias com menos de duas décadas e esta breve história que escrevi, é essencial ler o Código da Praxe (por muito tolo e descabido que este último possa ser). Outra fonte boa é falar com antigos estudantes(recomendo anteriores ao luto académico) e até, por incrível que pareça, com futricas de idade avançada, pois esses sabem muito. Outra, modéstia à parte, é falar aqui com os bloguers; embora eu reconheça que da nova revisão ainda não me dei ao trabalho de ler o novo código. Mas posso-o mandar a quem quiser.

J.Pierre Silva disse...

Foi por um mero acaso que "tropecei" neste blogue e acabei por ler atentamente.
Sendo eu um estudioso do fenómeno académico, há largos anos, tenho apenas a dizer que o seu texto é, ele próprio, indutor num erro crasso: a ideia de que a praxe se resume aos rituais de recepção aos caloiros e os procedimentos e regras entre doutores e caloiros.
Metade o sseu texto fala sobr eisso, esquecendo se referir que Praxe Académica é bem mais do que isso.

Por outro lado, reconhecida que é Coimbra como Alma Mater da Praxis Universitária, não me parece bem começar o seu texto afirmando que ela é a única "verdadeira" já que apraxis é um património nacional, já não exclusivo - tal como a capa e batina, ou então os portuenses são mais portugueses que os de Coimbra,Lisboa, Faro..... porque o foram primeiro!

Já agora, no grito académico, não é "alequa", como tenta (e bem) corrigir os "arriquás", mas sim ALIQUA.

Abraço e convite a visita ro meu blogue (onde encontrará diversos artigos que poderão ser do se interesse (nomeadamente nos posts mais antigos):

- História do Traje
- Razão da cor preta da capa e batina (a verdadeira e histórica razão).
- História da pasta, fitas, cortejos
- Outros

Bastará pesquisar no próprio blogue.

Saudações,

J.Piere Silva

Carolus Alvus disse...

Caro Pena (WB)
Fico muito contente sempre que encontro mais uma pessoa a estudar as tradições académicas.
Infelizmente, quer-se-me parecer que o meu amigo não leu os restantes artigos do presente blog, pelo que ficou com uma imagem um bocadito redutora daquilo que é o nosso entendimento sobre a Tradição Académica.
Se não, vejamos:
Temos um artigo sobre o tema professores/aulas;
Temos quatro artigos sobre serenatas/fundação da Tuna de Economia;
Mais ainda, temos sete artigos sobre a Praxe de mobilização, julgamento, trupes, relacionamento hierárquico, etc...
E finalmente, temos à volta de doze artigos sobre histórias diversas relacionadas com a nossa vida académica.
A enumeração poderia continuar...
Estamos a pensar incluir uma série de marcadores no blogue no sentido de ajudar quem nos visita a ler os artigos que mais lhe possam ineressar.
Quando criámos o blogue, o nosso objectivo principal foi anotar as nossas vivências académicas de forma a que, com o passar dos anos e com o peso da idade, elas não fossem esquecidas.
Para terminar, a questão do "alequá/aliquá", para mim é apenas de ortografia, em termos fonéticos vai dar ao mesmo.

Um abraço, e continue a visitar-nos e a fazer os reparos que bem entender. Quem vem por bem é sempre benvindo.

J.Pierre Silva disse...

Caríssimo,

Desde já o meu pedido de desculpas pelas gralhas de ortografia do meu comentário anterior.

Seguidamente, apenas dizer que o meu reparo ao seu texto vem apenas na linha daquilo que escreve ao introduzi-lo: ter sido texto a suportar o debate em que participou como orador (e não um texto criado para ser inserido, no meio d eoutros, neste simpático blogue).

Quanto ao "Aliqua", a questão fonética não se coloca, já que "alequa" não se lê da mesma forma que se fosse escrito com "i", mas adiante.

Louvo o seu esforço em pensar e reflectir sobre o fenómeno académico - um exercício que deve ser feito à luz do suporte documental e da observação empírica.

Boa continuação.

J.Pierre Silva disse...

Para lhe facilitar a vida, na pesquisa de assuntos que possam ser do seu interesse, aqui ficam os links:


Barrete Académico: http://notasemelodias.blogspot.com/2008/05/notas-sobre-o-barrete-do-traje-acadmico.html

Cor do Traje: http://notasemelodias.blogspot.com/2007/10/notas-de-cor-sobre-capa-e-batina.html

Colete do Traje em Coimbra(Crítica):http://notasemelodias.blogspot.com/2007/10/notas-sobre-o-coletede-foras.html

Traje Académico e Traje de Tuna: http://notasemelodias.blogspot.com/2007/09/notas-sobre-o-traje-acadmico-de-tuna.html

Tuna e Códigos de Praxe: http://notasemelodias.blogspot.com/2007/07/da-tuna-e-dos-cdigos-de-praxe.html

História da Capa e Batina: http://notasemelodias.blogspot.com/2006/11/traje-acadmico-do-hbito-talar-capa-e.html

Queima das Fitas: http://notasemelodias.blogspot.com/2006/11/queima-das-fitas.html

Latadas: http://notasemelodias.blogspot.com/2006/11/as-latadas-dados.html

Universidade em Portugal: http://notasemelodias.blogspot.com/2006/11/as-origens-da-universidade-em-portugal.html

Praxe Académica: http://notasemelodias.blogspot.com/2006/11/praxe-acadmica-breve-resenha.html

São alguns artigos dedicados à Praxis Universitária.

Obviamente que poderá eliminar este meu post, pois apenas serviu para o envio dos ditos links.

Carolus Alvus disse...

Grato pelas ligações indicadas, mas já as tinha visitado após a recepção do seu primeiro comentário.
Quanto à origem do presente artigo, tenho a informá-lo que não sou o autor do mesmo, mas sim um simples membro da Tesoural Tertúlia Irmandade das Sombras (TTIS), da qual me orgulho de fazer parte.
No entanto, e apesar de o meu grande amigo Batinas não me ter passado qualquer procuração para o defender, conforme o prólogo do artigo identifica, o presente texto serviu de base à participação num debata promovido no âmbito duma Recepção ao caloiro de há uns anos atrás.
De notar que todos os elementos da TTIS já deixaram de ser estudantes há algum tempo.
Assim sendo, interessou mais ao autor basear a sua participação nos assuntos que diziam respeito às tradições relacionadas com o tratamento dos caloiros e assuntos conexos.
Quanto à documentação, também é referida no início do referido artigo, a origem do mesmo.
Passo a citar: "Baseando-me nesse trabalho, achei que era interessante aqui publicá-lo, não sem referir que este foi, essencialmente, baseado no livro de Alberto Sousa Lamy “A Academia de Coimbra 1537-1990”."
Quanto ao resto, conto que o autor do artigo elabore os seus esclarecimentos brevemente.

Batinas disse...

Antes de mais nada, quero-lhe agradecer pelo comentário que fez no nosso blog. Foi muito amável e espero que nos leia sempre e dê sempre a sua opinião, pois esta será sempre bem vinda.
Em segundo lugar, se bem que tenha razão quando diz que a Praxe é muito mais que os rituais de recepção ao caloiro e aos procedimentos e regras entre doutores e caloiros (se leu o blog, reparará a imensidade de assuntos que são tratados, desde a vivência, a camaradagem, as serenatas, etc), mas esse é, sem dúvida, o assunto mais "mediático" e será, neste momento, o tópico que está a perder-se cada vez mais, e de uma forma preocupante, na sua pureza, de uma forma mais visivel, daí eu o ter focado com mais relevância no texto que preparei para um debate na minha faculdade há uns anos atrás, e onde tinha um tempo limitado para fazer a minha apresentação sobre o assunto Praxe.
Por outro lado, e tanto quanto me foi permitido investigar em leituras que fiz e em conversas com estudantes de outro tempo (se quiser, dir-lhe-ei um destes dias onde o li), o grito é mesmo alequá (embora se diga "aliquá", mas isso é uma questão fonética). Aliás, segundo averiguei, será mesmo ALEQUÁ QUÁ QUÁ e não ALIQUÁ LIQUÁ LIQUÁ, como todos dizemos.
Para finalizar, permita-me discordar, mais uma vez, de si e reafirmar que a Praxe é unicamente de Coimbra e não um património nacional (será nacional na medida em que Coimbra faz parte da Nação, mas, tal como os touros de morte são um património nacional, são um essencialmente um património de Barrancos), pois a Praxe é, acima de tudo, tradição, e tradição é em Coimbra. Os outros estabelecimentos de ensino superior fazem "umas coisas" onde se pretende imitar o que se faz na Universidade de Coimbra, a Praxe, mas há-de convir que as festas da Senhora da Agonia são uma tradição de Viana do Castelo, a dança dos cús no carnaval é tradição de Cabanas de Viriato, as festas de Nossa Senhora dos Remédios são uma tradição de Lamego e os ovos moles são de Aveiro, por mais que já se vendam em qualquer hipermercado do país.
E, já agora, terei muito prazer em visitar o seu blog.
As minhas mais cordiais saudações!

Anónimo disse...

Il semble que vous soyez un expert dans ce domaine, vos remarques sont tres interessantes, merci.

- Daniel

Rui disse...

Boa noite!

Como não encontrei nenhum contacto de e-mail deste blogue, decidi tentar contactar-vos por aqui.

Estou a elaborar um trabalho acerca da Praxe Académica, no contexto de uma cadeira de Portfolio Pessoal, no Instituto Superior Técnico.

Gostaria de saber se tenho a vossa autorização para retirar algumas informações deste vosso blogue, nomeadamente deste mesmo artigo "Breve História da Praxe de Coimbra".

Como é óbvio, colocarei a devida referência na bibliografia a este blogue, bem como, se assim o pretender, ao autor do artigo em questão.

Com os melhores cumprimentos,
Rui Morais

Batinas disse...

Boa noite, Sr. Rui Morais.

Antes de mais, peço-lhe desculpa pela demora em lhe responder, mas, como deve calcular, o seu assunto mereceu prévia discussão entre os membros da TTIS, a qual teve que ser feita por e-mail; mesmo assim, garanto-lhe que foi feita em tempo recorde!
Seguidamente, tenho a dizer-lhe que muito nos honrou que aquilo que vamos fazendo, por pirraça, nos nossos tempos livres lhe tenha despertado interesse e que não vemos inconveniente nenhum em que o use no seu trabalho de Portfólio Pessoal, desde que, como disse, faça a referência bibliográfica e referência ao autor do artigo que citar.
Gostaria, no entanto, de reforçar a ideia que já escrevi no primeiro parágrafo do artigo sobre a história da Praxe de Coimbra, e que é o facto de este artigo (e só este) "foi, essencialmente, baseado no livro de Alberto Sousa Lamy “A Academia de Coimbra 1537-1990”".


Cumprimentos
Quim Batinas