21 agosto 2008

Histórias com os copos

Nós bebíamos tanto! Nem era uma questão de beber muito (que bebíamos) era uma questão de bebermos muitas vezes. E sempre acabava por acontecer uma ou outra história engraçada, embora a maior parte já esteja esquecida.
Certa vez, ao sairmos do Convénus Mustinto (provavelmente após uma Festa do Litro y Meio), ao chegar à rua, tive uma sensação estranha: que a rua estava a descer, em vez de estar a subir. Toda a gente se riu, mas eu insisti, rua acima, que a rua estava a descer! Não é que me incomodasse, pois sempre era melhor descer do que subir, mas ninguém me tira, ainda hoje, que naquele dia a rua tinha mudado de inclinação!
Outra vez, ao sair do Convénus, estava, não sei por alma de quem, uma excursão de ingleses por ali. Como mais à frente estava estacionado um BMW, resolvi dirigir-me ao carro, com uma daquelas chaves antigas, enormes, amarelas, na mão e dizer bem alto “it’ s my car, and it’ s my car’ s key”. Todos se riram, ingleses e pessoal, mas saiu-me de repente e o carro por lá ficou e nós lá fomos à nossa vida a pé, como sempre naquela altura.
Outra ocasião, a bebedeira foi tal que, já para o fim, passámos na Praça da República, no Cartola (ainda não podia ser muito tarde, pois o Cartola estava aberto) e o Salgueiro viu alguém conhecido, com quem foi falar; durante o tempo em que o Salgueiro estava lá ao paleio, deu-me vontade de vomitar, pelo que decidi vomitar mesmo ali, perto dos semáforos, em frente ao Gil Vicente; mas para o que me é que havia de dar: pôr-me de gatas, cotovelos no chão e braços para a frente; ora, quando o vomitado começou a sair, parecia que nunca mais queria parar, pelo que eu, desesperado e sem me conseguir levantar ou parar o vómito, vi o vomitado amontoar-se, vi o monte de vomitado alargar e vi o vomitado começar a entrar-me para as mangas da batina, sem poder fazer nada para o impedir… Quando o pessoal chegou ao pé de mim, fartaram-se de rir com a situação, o que me fez abrir os braços e abraçar o Salgueiro que, desesperado, só gritava: “não me abraces, não me abraces!”. Coitado, fui mesmo mauzinho para ele, mas nem mesmo sei como consegui resolver a situação em casa, sem a minha tia dar por ela.
Outra altura, e inspirados em livros de memórias de antigos estudantes, resolvemos “comemorar vitórias sobre a ciência”. Então, púnhamo-nos a estudar matemática e a resolver exercícios; de cada vez que alguém conseguia resolver um exercício, parávamos todos de estudar e bebíamos um copo (de uma qualquer bebida alcoólica) para comemorarmos a vitória que um de nós tinha obtido sobre a ciência! Era até já ninguém conseguir resolver exercícios, de tão bêbados que estávamos, por isso largávamos os estudos, que nos estavam a prejudicar as comemorações!
Outra vez, resolvemos ir fazer uma trupe. Já não me lembro se a noite correu bem ou mal, mas sei que ali ao pé do Liceu José Falcão, ao cimo das escadas que sobem do jardim fronteiro ao liceu, apanhámos um semi puto fora de horas; o Marralheiro decidiu assustar o semi puto, por isso começou lá com a conversa de que ele estava fora de horas, ao que o semi reconheceu ser verdade; depois começou a perguntar-lhe se ele tinha lido o último “Decretus” do Conselho de Veteranos, ao que ele admitiu que não; “então”, continuou o Marralheiro “não sabe que agora os semi putos também são rapados após as X horas”; que não, que não sabia, dizia o semi puto, mas o Marralheiro logo lhe foi dizendo que o facto de ele não saber não queria dizer que lhe não fosse aplicada a sanção respectiva, ao que o semi puto não se opôs; lá se pôs de joelhos, a mando do Marralheiro, à espera da pesada pena, ao que eu, vendo tanta alarvidade por parte do semi, e estando-me a dar uma volta na tripa, lhe ponho o cu à frente da cara e zás, peido na tromba! Foi uma risota geral, após o que lá mandámos o semi levantar-se, dizendo-lhe se ela achava exequível que tivesse sido decretado o rapanço a um doutor por ele estar fora de horas!
Estou-me agora a lembrar de outra grande bebedeira que apanhámos no Pinto e, já depois de este fechar, rumámos aos terraços da Faculdade de Farmácia (como tantas vezes fazíamos) para fazermos os nossos “saraus”. Só que, naquela noite, ao passarmos em frente ao Museu Machado de Castro, vimos que as luzes estavam acesas, pelo que decidimos averiguar do que se tratava… Ao entrarmos, estavam uns senhores mesmo a acabar de cantar a última música e estavam umas mesas postas com muitos salgados. Como é óbvio, decidimos ficar por ali a comer “à pato”; só que eu lembrei-me que, no dia seguinte, ia para Tondela ver um campeonato de Karaté e ainda não tinha almoço… Por isso, comecei a passar pelas mesas a recolher rissol aqui, rissol ali, e a ir para um sítio mais protegido embrulhar os rissóis em guardanapos e a meter para o bolso. Andava eu nesta actividade quando, ao passar junto do Marralheiro, ouço-o perguntar a um empregado “a que se devia aquilo tudo?”. Como aquilo era para quem tinha ido assistir ao espectáculo e para os cantores, o empregado perguntou-lhe se ele não sabia quem tinha vindo ouvir; mas eu, por acaso, conhecia lá um senhor que era dos Antigos Orfeonistas da Universidade de Coimbra, e meti-me na conversa, dizendo que era o dito coro, calculando que seriam eles; “então se sabem”, respondeu o homem, “para que é que estão a perguntar?”; “era para ver se o senhor sabia!”, respondi. Nessa noite fartámo-nos de beber à borla bebidas a que não estávamos habituados por serem caras, fartámo-nos de comer, e ainda levei para casa 24 rissóis!
De uma das muitas vezes que íamos aos terraços da faculdade de farmácia, com o nosso traçadinho, fazer os nossos saraus, ao chegarmos lá, noto, de repente, crianças a gatinhar e a olhar para nós, pelos telhados da faculdade de Farmácia. Não resisti a soltar, espontaneamente: “olha, duendes…”. Mas não era eu que falava, era o vinho!
Lembrei-me agora também de uma história que se passou na Latada, no ano em que o Marralheiro entrou. Nesse dia lá fomos nós no cortejo e, não sei como foi aquilo, o Brandão apanhou uma grande bebedeira. No fim do cortejo, não sei vindos de onde, apareceram os pais do Marralheiro e foram connosco ao Convénus Mustinto (a nossa sede) para irmos meter as nossas coisas. Estava para lá eu a mostrar a casa velha e sem luz aos pais do Marralheiro, a explicar que nos reuníamos ali a discutir os assuntos da Praxe, da faculdade, a conviver, etc, quando a mãe do Marralheiro, ouvindo com atenção, acabou por acrescentar “… a comer e a beber…”; resposta do Brandão: “A comer e a beber não: a beber e a beber!”.

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