29 outubro 2008

Cantina do ISCAC

Aqui há uns anos falou-se, na minha faculdade, que queriam fechar a cantina do ISCAC. Aquilo foi uma revolta terrível para os estudantes, pois não tinham onde ir comer a preços sociais ou então tinham que se deslocar à cantina da Sereia, o que era longe, demorado e impossível de fazer no espaço de uma hora. Resolveu-se, então, fazer uma Reunião Geral de Alunos (RGA), reunião que foi organizada pelos “políticos” lá da faculdade, a malta que andava ali pelo carreirismo político. Eu, apesar de também sempre ter andado em listas e ter sido eleito para muitos “tachos”, desde Senado da Universidade, Assembleia da Universidade, Assembleia de Representantes da FEUC, ou Direcção Geral da AAC, nessa altura andava um pouco alheado dessas coisas, por isso decidi gozar um bocado com aquilo tudo, até porque eu implicava um bocado com essa malta que só faz as coisas para conseguir votos (lembro-me de ver gajos que não punham os pés na cantina do ISCAC e outros que só diziam mal do que se lá comia, andarem muito revoltados com o prometido encerramento da mesma e a participarem da organização da RGA). Para gozar então um bocado com a situação, cheguei a essa RGA antes da hora e sentei-me numa cadeira do palanque; quando a malta do “tacho” chegou, já eu lá estava sentado, o que os fez olhar para mim de lado, com uma cara tipo “que raio estás tu aqui a fazer, tu que não és cá dos nossos”, mas nenhum foi capaz de me dizer para sair dali – nem eu saía, isso é que era bom! Por isso a RGA começou comigo lá em cima, ao lado “deles”. Como aquilo estava a ser um bocado chato, deu-me para começar a rodar a cadeira (os gajos estavam fulos: eles a falarem e eu a dar voltas com a cadeira, a desestabilizar aquilo tudo); depois lembrei-me de virar a cadeira para a parede, ficando de costas para a assistência; passado um bocado, com um gesto de dedo, chamei um caloiro e mandei-o, baixinho, buscar-me uma garrafa de água e um copo, num tabuleiro; foi uma risota abafada quando o caloiro chegou, qual empregado de bar, com um tabuleirinho, um copo e uma garrafinha de água (nem faltou a conversa do costume: “o que é que se diz, caloiro?”; “obrigado, doutor…”). Entretanto, a reunião ia prosseguindo, eu ia bebendo a garrafa, ia olhando para o tecto com indiferença, fazendo de conta que não se estava ali a passar nada, até que ouço a criatura ao meu lado a dizer que tínhamos que tomar medidas, que o pessoal devia propor medidas para impedir que a cantina fechasse; voltei a chamar o caloiro e segredei-lhe algo ao ouvido; o caloiro voltou para a assistência e pediu a palavra; perguntaram-lhe, então, que medidas propunha ele, ao que o caloiro respondeu, instruído por mim: “as medidas que eu proponho são 15 metros por 20!”; foi uma gargalhada geral, os “tachistas” irritaram-se mas não quiseram transparecer a irritação e passaram a palavra a outro.
Em relação ao nome da cantina – cantina do ISCAC – este provém de a mesma se situar nas instalações onde, na altura em que entrei, existia o ISCAC. Nessa altura havia muita rivalidade entre a FEUC e o ISCAC, e isto provinha do facto de aquilo ser malta que tinha ido para lá porque não tinha entrado na FEUC, o que fazia deles (para além de serem, no geral, muito menos inteligentes do que nós) um bocado (muito) invejosos (apesar de todos – ou quase – dizerem que tinham ido para o ISCAC mesmo por ser aquilo que queriam), por isso às vezes as conversas azedavam entre nós e eles. Tinham a mania, nessas ocasiões, de dizer para não irmos à cantina, que era deles; a resposta pronta era que não, que não era deles, que era dos Serviços de Acção Social da Universidade de Coimbra (SASUC), por isso eles que deixassem de utilizar a nossa cantina (se bem me lembro, o Brandão até costumava dizer muitas vezes que ia comer à cantina dos serviços sociais da Universidade de Coimbra).
Quando o Marralheiro era primeiranista foi uma vez lá apanhado por um “iscaquiano” (nome que dávamos aos gajos), que o esteve para lá a praxar; a certa altura, o nosso herói lá descobriu, não sei como, que o gajo era do ISCAC, por isso resolveu vir-se embora e não obedecer mais, pois eles não nos podiam praxar nem nós a eles; o gajo ficou danado por o Marralheiro lhe estar a desobedecer e lá disse que ele tinha que obedecer a um dr. do ISCAC; “você não é Dr. agora, nem quando acabar o curso!”, respondeu-lhe o Marralheiro vindo-se embora, numa clara alusão àquilo ser um bacharelato.
Quando eu era primeiranista, fui certa vez almoçar com o meu padrinho, o Brandão, à cantina dos SASUC; ele chegou lá e poisou a pasta numa bancada grande que havia logo à entrada e onde hoje há um snack, tendo-me mandado buscar a comida para ele, enquanto se sentava ao pé de uns amigos que já lá estavam a almoçar; fui para a fila, que era longa e lá fiquei; quando chegou a minha vez de trazer o tabuleiro, saí da fila e voltei, de mãos a abanar para o pé do Brandão, que, admirado por após tanto tempo de espera, não lhe trazer a comida, perguntou-me pela dita.
- Não trouxe…
- Não trouxe?! Mas eu não o mandei trazer a comida?
- Mandou. Mas como o padrinho é semi puto e não está com a pasta, eu resolvi não obedecer.
Furioso, muito vermelho da humilhação de ter um caloiro a responder-lhe assim em frente aos amigos, lá foi ele ao fundo da cantina buscar a pasta e lá me mandou outra vez para a fila.
Uma vez fiz outra pior ao meu padrinho. Ele mandou-me, em frente aos amigos, fazê-lo rir.
- Caloiro, faça-me rir!
- O meu padrinho é uma besta! – respondi eu.
Perante o riso geral dos amigos dele, arregalou os olhos, atónito, enrubesceu, e disse:
- Caloiro, mas que conversa vem a ser esta?
- Então… o padrinho mandou-me fazê-lo rir, por isso eu disse um disparate muito grande, para que o padrinho se risse…
Lá se riu, vencido, mas a humilhaçãozinha lá ficou. Por isso no ano seguinte lá me fez uma espera à noite, numa trupe, para me vir às unhas!
Continuando com histórias relacionadas com a cantina do ISCAC, lembro-me de mandar, sempre que havia caloiros, levarem-me o tabuleiro; e quantas vezes era levar os tabuleiros da malta toda e outras tantas vezes era levá-los peça a peça… E com as mãos bem levantadas, mostrando a peça que levavam, como se de algo sagrado se tratasse… Certa vez a empregada que estava na recolha dos tabuleiros pôs-se a mandar vir, mas eu ignorei, mandei o atrapalhado caloiro continuar a fazer o trabalho tal como eu mandara; a mulher pôs-se a gritar e passou a ser conhecida, entre mim e os outros empregados, pela “minha amiga”. “Então, a minha amiga está cá hoje?”, ou “hoje a sua amiga está cá”…
Também na cantina do ISCAC era hábito eu mandar um caloiro fazer o “serviço de mesa do ISCAC”, que consistia em o caloiro pegar num carrinho que lá havia com azeite, sal, água, etc. e ir de mesa em mesa a dizer: “ Serviço de mesa da cantina do ISCAC; deseja alguma coisa?” e servir quem lhe pedisse algo que estava no carrinho.
Para terminar, contar a história que o Marralheiro considera que foi a maior humilhação que alguma vez lhe fizeram enquanto caloiro. Certa vez estávamos a almoçar os dois. De repente, aparece um cão vadio que por ali andava, a olhar para nós, cheio de fome e com olhar implorante. Com pena do animal, disse ao Marralheiro para dar uns restos ao cão, mas o cão, quando o Marralheiro se aproximou com a comida, fugiu; o pobre tentou várias vezes dar comida ao cão, que fugia sempre que ele lhe estendia o prato. Viro-me então para o Marralheiro e disse-lhe: “Não vê que o cão está com medo de si, caloiro, porque você é feio e cheira mal?! (caloiro é dois furos abaixo de cão: bicho, cão polícia e caloiro, é a hierarquia dos animais em ordem descendente); ponha-se lá de joelhos e peça ao cão para, por favor, vir comer”. E o Marralheiro assim fez, guardando esta entalada na garganta até hoje e atirando-ma à cara quando pode. Garanto-vos que se soubesse que isso lhe ia custar tanto fazer, que se soubesse que era uma coisa que o estava verdadeiramente a humilhar, não o teria feito.
As melhoras, Marralheiro!

2 comentários:

Georgius Brandalius disse...

Caro Batinas,

só para repor a verdade histórica, o episódio a que aludes (quando te mandei fazer-me rir) não ocorreu no ISCAC mas no bar da Faculdade. E a trupe que te fiz não teve nada a ver com isso, simplesmente foi uma oportunidade que surgiu.

Feito este reparo, gostaria de acrescentar outro episódio que conto muitas vezes como uma das melhores caçoadas que nós fizémos (não sei precisar quem é que teve a ideia nem de quem a executou): era habitual mandarmos os caloiros com o tabuleiro do sal, da pimenta e do azeite, etc. pelas mesas a perguntar se alguém precisava de alguma coisa. Mas houve um dia que fomos mais longe: mandámos um caloiro para o balcão do fundo, de joelhos e com uma maçã na boca, enquanto outro caloiro passava nas mesas com um bloco e dizia: "hoje ao jantar vai haver leitão - e apontava para o outro ao fundo da sala - mas se estiverem interessados têm de marcar".

Antes que os anti-praxistas apareçam aí a dizer que isto era muito humilhante, devo dizer que a Sociedade Protectora dos Leitões não se queixou.

Abraços,

Brandalius

Jorge Brandão disse...

O Marralheiro foi caloioro????