18 novembro 2008

Malta à antiga!

O pessoal da Tesoural Tertúlia Irmandade das Sombras era uma malta à antiga! Hoje, em 2008, somos já pessoas entre os 31 e os 36 anos, todos trabalhamos, todos (excepto um) somos casados, alguns já têm filhos (alguns até mais que um), vivemos longe uns dos outros (de Esposende à Guarda, de Guimarães a Coimbra, de Espinho a Viseu e até um na Madeira), mas mantemos ainda muito do antigo espírito de então, tendo o hábito de nos encontrarmos de vez em quando em casa uns dos outros ou por Coimbra, tendo como ponto mais alto o jantar de aniversário do Coral Quecofónico do Cifrão – Tuna da Faculdade de Economia – da qual a Irmandade das Sombras é fundadora e, claro, os membros mais antigos desta Tertúlia são fundadores.
Para nós não havia “traje”, havia “capa e batina”; não havia “pins”, não dobrávamos as capas muito bem dobradinhas, com os distintivos tipo “árvore de natal” e à mostra;
Éramos malta de andar todos os dias de capa e batina. E quando digo “todos os dias”, quero dizer “todos os dias”; os mais radicais (que éramos quase todos) andávam todos os dias com a capa e batina e era muito raro o dia, e só por uma causa muito extraordinária, em que nos viam à futrica, sendo que até, às vezes, íamos assim vestidos para as nossas terras. Alguns de nós, após muitos meses, se nos apanhavam um dia vestidos com outra roupa, diziam que nunca nos tinham visto assim!
Todos nós sabíamos o Código da Praxe de trás para a frente, mas os nossos conhecimentos iam muito para além da letra da lei que lá estava, tentando sempre saber mais e mais de Praxe e dos hábitos dos antigos estudantes (que tentávamos reviver na nossa época, sabendo que os anos 90 do séc. XX eram muito diferentes dos anos 50 ou anteriores) através de conversas com antigos estudantes ou de livros de memórias de antigos estudantes ou de tudo o que estivesse ao nosso alcance para aprender mais e mais acerca de Coimbra.
Não éramos de “praxar” só nas alturas que todos “praxavam”, não éramos de muitas “praxes” organizadas pelos “naftalinosos” – os que só tiravam a capa e batina da naftalina na Latada e na Queima (que triste espectáculo o de uns dias antes destas festas, com as janelas cheias de capas a apanharem sol para sair o cheiro a mofo ou naftalina!) – nós todos os dias gozávamos com os caloiros, todos os dias eles nos levavam o tabuleiro na cantina, todos os dias eles nos davam as suas cadeiras no bar ou iam buscar uma para nós, todos os dias eles nos iam buscar coisas ao bar, todos os dias nos davam os ases e os trunfos ao jogarmos à sueca no bar, todos os dias nos diziam coisas para nos levantar o ego e todos os dias nós os tratávamos por “você”… Só a partir do dia do cortejo da Queima os passávamos a tratar por “tu”.
Com o normal diminuir do interesse com o avançar da idade, éramos malta que fazia trupes, que rapava caloiros, que fazia julgamentos (os já referidos Processos de Atribuição de Culpas, no Convénus Mustinto, por falta de Repúblicas onde se pudesse fazer isso); éramos aqueles a quem os outros vinham sempre consultar quando precisavam de saber alguma coisa sobre Praxe; éramos quem afixava na nossa faculdade, depois das férias da Páscoa, qual era a ordem que as fitas tinham na pasta (para não ter que explicar a mesma coisa 100 vezes); éramos nós que desfazíamos as trupes ao Dux Veteranorum (o Marralheiro); éramos nós que não desfazíamos as trupes só porque o Dux dizia para desfazer (eu), sem ter qualquer razão válida, dizendo-lhe que apresentasse queixa no Conselho de Veteranos; éramos nós que fazíamos serenatas por tudo e por nada, fosse por paixão, fosse por simples prazer de ver as meninas assomarem à janela; éramos nós que íamos fazer actuações da Tuna que fundámos – o Coral Quecofónico do Cifrão -, sem ensaios ou instrumentos em quantidade suficiente; éramos nós que fazíamos coisas porque “tinham pinta” e porque os antigos também o tinham feito; éramos nós que íamos com a bebedeira para o Penedo da Saudade, a sofrer de saudades de Coimbra por antecipação…
Enfim, fomos uma malta nova que ousou sonhar com uma Coimbra à antiga, que ousou viver um sonho, que decidiu viver Coimbra de uma maneira que achávamos – como dizia o Marralheiro há pouco tempo – “era a única maneira correcta de viver Coimbra e de ser feliz lá”.
E hoje somos nós que intervimos em blogs em defesa da Praxe; somos nós que continuamos a ir a actuações da Nossa Tuna sempre que podemos; somos nós que somos chamados, carinhosamente, por “vôvôs” pelos actuais tunos; somos nós que gostamos de estar com a malta estudante, deixando as “patroas” em casa para bebermos uns copos com a rapaziada, para nos sentirmos ainda um pouco estudantes de Coimbra; somos nós que continuamos a ajudar o Coral a manter o espírito o mais possível à antiga; somos nós que vamos contando histórias de Coimbra, da nossa faculdade, do Nosso Coral, ajudando assim a malta nova a ver qual era a orientação e o espírito no início da aventura musical, e não abandonando o Coral a uma orfandade que poderia ser fatal nos tempos que correm no ensino superior em Portugal.
No fundo, somos hoje uma malta que, lutando contra a irreversibilidade do tempo, tenta permanecer um pouco criança, sem descartar as responsabilidades que a idade e a vida nos trouxeram; fomos uma malta que, à imagem do grande boémio de Coimbra dos finais do séc. XIX e inícios do séc. XX – PAD ZÉ – tentou gozar a vida de estudante sem abdicar dos gozos e da “irresponsabilidade” a que a mocidade nos deu direito. E, tal como o PAD ZÉ, somos os que se pudéssemos não hesitaríamos em repetir tudo de novo. E ainda como o PAD ZÉ: oxalá o pudéssemos repetir!

12 comentários:

Anónimo disse...

Trabalham todos excepto um, estão entre os 31 e 36 anos. Ele deve ter recebido uma choruda herança...só pode! Parabéns e continua a partilhar as nostalgias!!

Batinas disse...

Quem é que escreveu isto? Quem é que escreveu este comentário sem nexo? Trabalham todos excepto um? Estão entre os 31 e 36 anos? Desculpem, mas não percebi...

Anónimo disse...

Aqui me confesso,

Tive de limpar uma lágrima, que saiu do meu olho esquerdo após ter lido este teu email amigo Quim.

"oxalá o pudéssemos repetir!"

Carolus Alvus disse...

O Sr. Anónimo teve um lapso de interpretação do texto.
Quando leu "todos (excepto um) somos casados," entendeu que o "excepto um" dizia respeito aos que trabalham e não aos que são casados...
coisas que acontecem.

Batinas disse...

Pronto, então eu explicito aqui bem: todos trabalhamos, ninguém recebeu uma choruda herança. E, excepto um, somos todos casados. Certo? É que isto é malta pobrezinha, parecia que nem tinha dinheiro para comprar outra roupa!

Georgius Brandalius disse...

Caro Batinas,

eu que fui fundador da TTIS e afundador do Coral não posso deixar de sentir que em grande medida não mereço parte das [MAGNÍFICAS] palavras que escreveste. Entre outras coisas com o passar do tempo deixei de fazer trupes, nunca fiz uma data de coisas de que falas e hoje em dia pouco escrevo no blog [nem no livro do Pai do Hélder] porque realmente me é impossível. ´

Penso que, de certa maneira, todos nós reconheceremos que a única pessoa a quem se aplicam 100% das coisas que escreveste é ao magnífico Batinas e que os restantes de nós estaremos entre os 95% e os 70%. A meu ver só a tua grande generosidade te fez escrever este texto no plural... mas não é de estranhar: a generosidade solidária é só mais uma das boas características da NOSSA PRAXE.

Abraços fraternais,

Brandalius

PS: Estou tão comovido que nem vou fazer piadas com o facto de mais uma vez um qualquer hacker estar a simular ser o Marralheiro e a intervir no nosso blog.

PPS: Branquinho, será que é possível pores o blog a avisar que há novos arquivos? Eu só soube deste artigo porque fui avisado dos comentários.

Batinas disse...

Bem... Não foi o Marralheiro que publicou aqui o comentário. Ele mandou-o para a ML da Irmandade (não deve saber vir aqui escrever os comentários ;) ) e eu é que o publiquei aqui com o nome dele.
Quanto a uns serem 70, 80 ou 90% do que aqui digo, repara que eu refiro-me, a certa altura, ao "normal diminuir do interesse com o avançar da idade"; quero com isto dizer que, em relação a certas actividades, esse diminuir do interesse foi mais para uns do que para outros, mas outras actividades houve em que se passou o contrário, ou seja, foi mais para outros do que para uns! E em muitos casos, houve também um aumento de responsabilidades maiores para certos elementos (houve, por exemplo, quem tivesse mesmo que acabar o curso, sem andar ali a marcar passo - como eu andei - ou quem casasse muito antes dos outros, quem tivesse filhos, etc....). Eu falo no espirito da malta, e nesse espírito todos estamos a 100%.

Unknown disse...

Boas tardes meus Senhores.

Escrevo esta nota para mostrar o meu apresso por este blog, e pelas lições que daqui se podem tirar.

Sou um académico, que com muita saudade deixei o ano passado a Universidade...no entanto não deixo de me continuar a preocupar e interessar pela Nobre Tradição.

Estudei nessa cidade cujo Academismo é no mínimo Medonho, onde o traje é visto como uma qualquer outra peça de vestuário, onde o traje sai do armário durante a; única, semana de praxe e na semana académica ( desta então prefiro nem falar ) ....

Isso mesmo sou de Lisboa... Cidade que amo, sou da lusófona, pertenci ao Conselho Oficial de Praxe Académica, órgão que dentro da Lusófona tentar romper com a estupidez académica da nossa cidade amada..

Vivi o meu academismo cumprindo e fazendo cumprir todas as normas da tradição Coimbrã,lutei contra a estupidez académica que me rodeava, com um enorme sentimento de impotência, aprendi com aqueles que lutaram e lutam pelo mesmo , aprendi e ensinei, a viver, respeitar e honrar a Tradição.

Este tipo de testemunhos que pude ler neste blog, ajudam muito a preservar a tradição, ajudam os novos Académicos a olhar a sua volta e perceberem o que realmente importa, perceberem o real motivo de erguerem um Traje Académico, e o verdadeiro sentido da Praxe.


Cumprimentos

Georgius Brandalius disse...

Caro Hugo,

quando somos “donos” de um blog, a chegada de comentários de pessoas externas e que não conhecemos é um acontecimento. E mesmo quando, como é o nosso caso, essas situações já começam a tornar-se frequentes, é com grande carinho e alegria que vemos chegar os comentários dos que nos lêem por esse mundo fora. Tudo isto, para lhe dizer que, apesar do que lhe vou dizer, será sempre bem-vindo, ao nosso blogue.

Mas, compreenda, também não me sentiria bem comigo mesmo se deixasse passar em claro certas e determinadas partes do seu comentário. E como percebi pela sua mensagem que é um homem que gosta das coisas certinhas, não tenho dúvidas que vai encarar com fair play (os restantes tertulianos já me vão chinar a cabeça por este anglicanismo) a frontalidade com que lhe falarei.

Feita esta introdução, pela qual quem me conhece já percebeu que vem aí “lenha”, eu penso que não entendeu bem o espírito da nossa Tesoural Tertúlia. Depois do primeiro impacto da sua mensagem, a imagem com que fiquei de si foi a mesma que temos do adepto sportinguista que entra no estádio da Luz todo vestido de verde e branco, com uma bandeira enorme, aos berros pelo seu Sporting convicto que está no meio da Juve Leo e depois olha em volta e vê que se enganou na porta e está na bancada dos cativos do Benfica; ou então, a de uma pessoa que vai com uma faixa a dizer “Abaixo o aborto” para um comício do Bloco de Esquerda; ou então… enfim vou ficar aqui com os exemplos e passar à matéria de facto que se resume a dois pontos.

Em primeiro lugar os nossos pensamentos divergem quando sacraliza a Capa e Batina (deixemos o termo "traje" para os naftalinosos): repare que o nosso pensamento vai precisamente no sentido de que a Capa e Batina é uma roupa como outra qualquer e por isso mesmo a usávamos quase diariamente, como pode verificar nos artigos publicados no blog. Note, aliás, que o próprio Hugo entra em contradição quando condena simultaneamente o facto dos seus colegas estudantes de Lisboa usarem a Capa e Batina como “uma qualquer outra peça de vestuário” e, logo no mesmo parágrafo, por só a usarem em duas semanas do ano.

Por outro lado, e esta parte foi a que mais me tocou porque me parece que ela está na génese da grande amargura que deixou transparecer, creio que nenhum de nós, apesar do muito amor que temos à Praxe, ousaria impor na academia lisboeta aquilo que, como bem diz, é uma tradição Coimbrã. Já imaginou se algum de nós se lembrasse de querer impor aos 20.000 (naquela altura) estudantes de Coimbra as becas espanholas ou os tricórnios da Universidade do Minho? Seria uma tarefa hercúlea e, desculpe-me a franqueza, descabida. Esse é, a meu ver, o maior problema que enfrentou e que tanto o atormentou. Mais uma vez divergimos: quem realmente gosta da Praxe Coimbrã, não a quer ver a ser utilizada, no Porto, nem em Lisboa, nem em Valença do Minho. Cada uma deve ter – ou criar – a sua tradição. Sabemos que, por sermos a mais tradicional Universidade Portuguesa (até diria nós somos A Universidade, mas nem quero levar a conversa por aí) as nossas Tradições são uma referência e sentimos orgulho por isso; mas o nosso orgulho acaba imediatamente quando sabemos que a Praxe anda nas ruas da amargura não só pelos atropelos que lhe fazem mesmo em Coimbra (e aí nós somos os responsáveis) mas sobretudo pelas barbaridades que lhe fazem por esse país fora em seu nome. E por isso, queremos e defendemos que a Praxe de Coimbra deve ficar em Coimbra.

NOTA: o Código da Praxe define PRAXE ACADÉMICA como “o conjunto de usos e costumes tradicionalmente existentes entre os estudantes da Universidade de Coimbra e os que forem decretados pelo Conselho de Veteranos da Universidade de Coimbra” ; por isso, quando na frase anterior disse “Praxe de Coimbra”, estava a usar uma redundância para reforço de ideia.

Por isso meu caro, tenho pena que tenha passado a sua vida académica a remar contra uma maré muito forte, mas com todo o respeito, acho que não seguiu o melhor caminho: com todo o amor (e, espero, também com algum conhecimento) que demonstra ter pela Tradição Coimbrã, o seu lugar era em Coimbra. Devia, portanto, ter-se matriculado num curso DA Universidade e ter-se juntado aos que aí se sentem poucos para voltar a dar vida e o rumo certo a essa Tradição. Mesmo que chegasse ao fim e, tal como nós, visse que pouco mudara sentir-se-ia, provavelmente, mais confortado.

Saudações Tesourais.

Xana disse...

Meus caros amigos. Hoje chorei de emoção ao ler este post e os comentários.
Também alguma saudade à mistura...
Aqui fica o testemunho de alguém que não participou mas observou de perto.
Sempre vos admirei, a todos, cada um com o seu carácter e diferente mobil.
Obrigada Batinas por continuares a manter vivo nos nossos corações um passado tão doce.

CHV disse...

Só hoje tive oportunidade de ler esta pérola...
Grande post.

Anónimo disse...

Obrigado Batinas por este magnífico post! Olha bamos mas é pó Cumbenos lubar umas gaijas pa ffffffffffffff.. Abraços a todos. Paulo Martins (aliás Norerto Botelho).