24 fevereiro 2009

Jaime Ferreira


Ontem fui ao Mc Donalds da Guarda almoçar e, sem contar, encontrei lá um dos grandes professores da Faculdade de Economia do meu tempo: o Prof. Jaime Ferreira.
Quando entrei, reparei numa cara conhecida, sentada sozinha numa mesa. Após uns segundos de reconhecimento, dirigi-me a ele, estendendo-lhe a mão e falando nos seguintes termos:
- Senhor professor, nem o estava a reconhecer! Jamais poderia associar a sua cara a um lugar como estes! – disfarcei, para não lhe dizer como o achei velhote e em baixo.
- Eu posso ser velhote, mas não estou tão desactualizado que não possa vir a um sítio destes! – respondeu com a mesma lucidez de sempre e apertando-me a mão, tendo-me reconhecido imediatamente. – Então por aqui?
- Estou a viver na Guarda. Trabalho em (…) e vivo aqui.
Após termos explicado um ao outro o motivo que nos tinha levado a encontrarmo-nos num sítio tão improvável, tão longe do local onde as nossas vidas se cruzaram, lá se saiu, como sempre, com as suas tiradas cheias de sapiência. Gostei tanto de ver o professor! Está muito mais velho do que eu me lembro de o ver, há mais de 17 anos, numa das minhas primeiras aulas da faculdade, mas continua com a mesma simpatia e lucidez:
- Um homem solteiro morre que nem um cão e vive que nem um homem; um homem casado, morre que nem um homem e vive que nem um cão! – disse, citando um padre que discursou num funeral a que ele foi, em criança, ali na zona da Guarda, de onde é natural.
O professor Jaime Ferreira era professor de uma cadeira anual que tive no meu primeiro ano – História Económica e Social (HES) – e foi dos primeiros professores que tive na FEUC. Era um homem simpático e dava das aulas menos desagradáveis (eu também sempre fui um apreciador de história, por isso é natural que gostasse mais das aulas dele do que de outras), e foi dos professores que melhores notas me deu ao longo da minha carreira académica: 14 a HES e 13 a História da Europa Contemporânea.
Uma vez o Branquinho, pelo facto de ter chumbado na 2ª frequência de HES, tinha que ir a exame; como, entretanto, tinha já uma viagem marcada para ir à então Checoslováquia para o dia a seguir ao exame, foi ter com o professor a ver se se conseguia baldar ao exame; Jaime recebeu-o, ouviu a história do Amigo Branquinho, perguntou-lhe o nome, procurou o exame dele na pilha dos exames e tirou então um exame sem qualquer risco vermelho, apenas com a nota final, e começou a falar do exame: que na primeira pergunta o senhor falou nisto e naquilo, que se tinha esquecido daquilo e daquilo e assim sucessivamente, pergunta por pergunta! Ou seja, só de olhar para o exame, ele lembrava-se de tudo o que lá estava e de tudo o que lá faltava! Depois disse: "como pode comprovar, vai ter de voltar cá na 2.ª chamada, mas não se preocupe, passe por cá uns dias antes do exame para conversarmos melhor". Ora o Branquinho assim fez e uns dias antes do exame foi lá colocar uma dúvida e ele começou a falar da matéria que ia sair.
A partir daí, e nós fizemo-lo a História da Europa Contemporânea, antes do exame íamos ao seu gabinete pôr uma dúvida; se o que lhe perguntávamos não saía, ele dizia que isso não era muito importante, mas que devíamos ver isto e aquilo, que se perguntasse isto ou aquilo devíamos falar disto e mais disto, enfim, púnhamos uma dúvida sobre uma coisa qualquer e ele despejava a matéria que ia sair no exame!
Talvez por ter começado a usar capa e batina muito cedo e com muita frequência, passou a conhecer-me desde muito cedo (depois foram 13 matrículas, sempre de capa e batina – não havia como não me conhecer!) e cumprimentava-me e falava muito bem comigo sempre que me via.
Foi presidente do conselho directivo da FEUC numa altura em que o Tomásio lá esteve, pelo que soube que era um bonacheirão que gostava muito de beber o seu tintinho; e não perdia oportunidade de o degustar. Foi, aliás, durante o seu mandato como presidente do conselho directivo que, sob proposta do Tomásio (promessa eleitoral da nossa lista) foi aprovada a venda de vinho e outras bebidas alcoólicas, para além da cerveja, no bar da FEUC.
Certa vez, estava eu com o pessoal, à tarde, no bar da faculdade, e vejo aprontarem umas mesas com comida e bebida (doces, salgados, sumos e vinho); vejo, entretanto, chegarem estudantes ERASMUS e alguns professores importantes, tais como o nosso Jaime Ferreira, então presidente do conselho directivo (daí o vinho); apercebemo-nos que era uma recepção que a FEUC fazia aos estudantes ERASMUS, pelo que me levantei e fui ter com ele:
- Sr. Professor, tenho uma reclamação a fazer-lhe!
- Diga lá, homem!
- Ando aqui há (…) anos e nunca me fizeram uma recepção com comida e bebida, e estes senhores acabam de chegar para cá passar uns meses e é logo esta festa, com vinho e tudo!
- Não seja por causa disso! Sirva-se à vontade! – e ele próprio me encheu o copo de vinho.
Nesse dia lá comi e lá me emborrachei no bar, à custa da faculdade, perante o olhar invejoso do resto do pessoal que não teve a mesma coragem que eu.
Mais tarde, a Tesoural Tertúlia Irmandade das Sombras decidiu outorgar-lhe a “Grande Comenda da Ordem do Litro y Meio”. Comunicámos-lhe a decisão e ele aceitou com gosto, tendo acedido a comparecer no Convénus Mustinto, desde “que o vinho que lá servissem fosse bom”, pois já não bebia qualquer porcaria; comprámos um vinhito jeitoso e ele acabou por não aparecer (embebedámo-nos na mesma, claro!). Quando o voltámos a ver, pediu-nos imensa desculpa, mas surgira-lhe qualquer coisa à última hora que não lhe permitiu aparecer, mas que, quando quiséssemos, marcar-se-ia outro dia; entretanto o tempo foi passando, e nunca lhe chegámos a entregar a comenda.
Quando chegou a altura de assinar as minhas fitas, obviamente que fui ter com ele, ao que ele escreveu “Com um grande abraço e desejo de felicidades, Jaime Ferreira”, enquanto ia ditando a dedicatória a si próprio, seguindo-se um aperto de mão e a frase ”pode crer que isto que escrevi é sincero”.
Certamente muitas coisas sábias que ele disse ficarão aqui por contar, mas termino com uma frase que ele disse uma vez numa aula, após ter feito uma pergunta a que ninguém, excepto eu, soube responder e que, a partir daí, eu comecei a utilizar muito: “Pois é! Felizmente a ignorância não dói…”.
Foi um gosto muito grande tê-lo tido como meu professor e tê-lo reencontrado pela Guarda. PROFESSOR!

4 comentários:

Anónimo disse...

Esse Senhor Professor foi também meu professor de História Contemporânea. Doutores há muitos, Senhores há poucos...este é Senhor Doutor..

Xana disse...

Fogo, que sorte! Também gostava de o ver. O Professor Jaime foi um dos meus favoritos... Folgo em saber que pelo menos a mente se mantém disperta, que sempre foi uma qualidade nobre na sua pessoa!
Se o vires outra vez diz-lhe que há outros alunos que se lembram dele com carinho e um sorriso!

Norberto Botelho disse...

Também o recordo com muito pelas seu sentido humano, humildade e vasta cultura. Cheguei a ver vários desenhos artísticos realizados por ele onde passava a ideia do sofrimento do homem provocado pela estúpidez humana. Quando e fui rapado em julgamento no Convénus mais o Trabuco e o Gaudêncio, fomos ao barbeiro rapar a cabeça a pente 1. Depois fomos à aula de história económica que era no anfiteatro rande (n.º1 acho eu). A aula ia começar, o anfitearo estava completamente cheio e nós sentámo-nos o 3 de boné na cabeça, mais ou menos a meio da multidão, em fila muito envergonhados perante os risos e as bocas dos colegas. O Professor Jaime Ferreira começou a sua aula e reparou logo em nós. Parou de falar, começou-se a rir e disse: Mas que grande carecada. Risada geral no anfiteatro. Depois disse, mas de uma forma muito amical (que não era o costume da maioria dos docentes daquela faculdade)para fazer-mos o favor de tirar os bonés. Lá tirámos os três os bonés descobrindo-se assim totalmente as nossas carecas. O Professor riu-se novamente e lançou uma piada qualquer que não me lembro (estava cheio de vergonha ). Nova risada geral. Mas recordarei sempre a forma amiga e simpática como ele nos falou na altura.

Norberto Botelho disse...

Afinal, eramos 4 esqueci-me do Garrobas.