24 outubro 2009

A última Queima de Georgius Brandalius

Quando este blog foi criado pretendia-se que ele fosse o repositório da história da Tesoural Tertúlia Irmandade das Sombras. Com o decorrer do tempo ele excedeu esse objectivo inicial e passou a ser um arquivo das memórias Coimbrãs dos que foram membros dessa Tertúlia e é por essa razão que me atrevo aqui a discorrer sobre um dos momentos mais intensos da minha vida de Coimbra: a minha última Queima. Ou para ser mais preciso, e mais à frente compreenderão a razão para este pequeno "lapso", a minha Queima do ano em que fui Quintanista.
Alguém que se apaixona e que conhece as Tradições Coimbrãs percebe que há um determinado percurso que tem de realizar para melhor tirar partido do melhor que essas Tradições têm para oferecer. Quando, em Setembro ou Outubro de 1994, entrei no meu 5º ano do curso, preparei-me, pois, para usufruir dos muitos momentos altos que aquele ano teria para me oferecer. E se bem me preparei, melhor o fiz.
Tudo começou algures em Novembro, com o Cortejo da Latada. Nesse dia pela manhã comecei, como era prerrogativa dos Quintanistas, a usar as Fitas. Durante a tarde no Cortejo, o caloiro que eu apadrinhei nesse ano teve a missão de seguir à minha frente e chamar em altos berros a atenção aos populares que assistiam, dizendo: “Este é o meu padrinho, fulano de tal, e vai acabar o curso este ano; palmas para ele!!!”. E desatava a bater palmas, enquanto eu agradecia como se fosse um artista que acabava de interpretar uma canção no Coliseu frente a uma plateia delirante de 3 mil pessoas a aplaudir-me, ainda que não fossem mais do que meia dúzia – se incluirmos o caloiro – as que de facto o faziam. E assim se fez desde o largo D. Dinis até à beira rio onde baptizei o caloiro, como mandava a tradição.
Decorreu depois o ano lectivo em que, para usar as Fitas o máximo de vezes possível, usei ainda mais do que já era costume a Capa e Batina do que fizera em anos anteriores, para desespero dos muitos que não compreendiam esta atitude. Note-se, aliás, que segundo os estatutos da TTIS, o número mínimo de vezes que tínhamos de andar de Capa e Batina era 3 por semana, pelo que nesse ano eu terei usado entre 4 a 5 vezes por semana).
Até que, em Maio, como em todos os Maios daquele tempo e como em todos os Maios desde há dezenas anos se exceptuarmos aqueles em que a escumalha comunista o impediu com base nas suas convicções abjectas, lá chegou a Queima das Fitas, a que era a minha última Queima.
E nessa Queima das Fitas de Maio de 1995 fiz questão de usufruir dos momentos que são dedicados em particular àqueles que estão quase a sair. Na Quinta feira assisti à Serenata do topo da primeira escada da Sé Velha (primeira destinada ao público, porque as primeiras duas ou três eram para os artistas); na Sexta-Feira, no final da Noite de Economia, subi com os meus colegas de curso a palco para gritar os efe-erre-ás de encerramento da noite; no Domingo, na Garraiada, dei a volta de honra antes de iniciar a Garraiada e estive na arena a tourear os vitelos quando chegou o momento dos quintanistas aparecerem; e na Terça Feira desfilei já na condição de Cartolado.
Desta Queima tenho também uma das recordações mais ternurentas do meu percurso de Coimbra. Estávamos no Pinto a fazer o abastecimento e preparação para a Noite, creio até que era Sexta Feira, noite de Economia. Anunciei então que não iria ao Parque porque tinha intenção de ir até ao Sarau. A malta começou a dizer que não podia ser, que tinha de ir ao Parque e blá, blá, blá, até que eu lhes disse que não ía porque não queria gastar o dinheiro do bilhete, achava que era melhor esperar que o Sarau abrisse (isso acontecia sempre a dada hora da noite) e ir até lá. Foi então que toda aquela malta se juntou e cada um pôs uns trocos que tinha à mão para me pagarem o bilhete para ir para a Noite do Parque. Não me consigo lembrar de quem estava lá e quem contribuiu, mas era a TTIS e seus amigos em peso. Foi um gesto que nunca esqueci.
Resumindo foi uma Queima magnífica em que me alegrei euforicamente e nostálgica ao ponto de quase todos os dias (senão mesmo todos) ter chorado porque o fim do curso se aproximava e aquele mundo se fecharia para mim.
Esses muitos momentos de lágrimas foram, aliás, recordados várias vezes durante o ano lectivo de 1995/1996, ano em que (naturalmente por culpa dos professores que cismaram em querer ver-me Veterano), me vi obrigado a ficar em Coimbra a fazer algumas cadeiras para conseguir de facto acabar o curso.
Mas, apesar de ainda lá ter andado durante esse ano e de ter feito a Queima de 1996, continuo sempre a considerar a Queima de 1995, a Queima de Quintanista, a minha última Queima.

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