01 novembro 2009

O Gillette.

Depois do sucesso que a crónica anterior (sobre gebos) teve, com um visado a acusar-se, e antes de voltar a escrever mais algumas histórias sobre gebos (um filão interminável!), vou fazer uma interrupção nos gebos e falar de um colega que de gebo não tem nada, embora tenha levado algum pessoal que o não conhecia a pensar que sim. E digo isto porque foi um colega que nas primeiras 4 matrículas apenas fez uma cadeira (informática) e isto porque era feita com um trabalho. Segundo soube, ainda foi para a defesa do trabalho barafustar com os professores, mas acabou por fazer a cadeira, ao contrário dos colegas de trabalho, que não barafustaram… Era um indivíduo com uma forte pancada. Entrou para Coimbra com 16 anos (não sei como, mas é verdade; terá qualquer coisa a ver com o facto de ter estado um tempo a estudar na Guiné Bissau) e era ainda um garoto (daí ter tido necessidade de “crescer” um bocado antes de “arrancar” imparavelmente para a conclusão do curso, o qual tirou sem chumbar a partir da sua quinta matrícula). E o curioso é que, normalmente, o pessoal “marrava” para fazer as cadeiras e passado um tempo já não nos lembrávamos de quase nada, mas o gajo não: podiam passar dois ou três anos sobre a data em que tinha feito a cadeira que, se encontrava alguém a estudar o gajo explicava tudo como se tivesse feito o exame na véspera. Lembro-me que me ajudou bastante em várias cadeiras, com a sua memória “milagrosa”! E a Econometria, na véspera do exame, ditou-me, juntamente com o Marralheiro, a cábula milagrosa que me permitiu fazer a cadeira sem perceber nada daquilo!
Pois este nosso amigo, quando era caloiro, era uma criatura um tanto ou quanto sinistra: apesar de não ser um indivíduo alto (e ainda estava a crescer, pois, como disse, só tinha 16 anos) era uma figura que me causava alguns arrepios, pois vestia sempre de preto, com umas botifarras enormes (umas Doc), cabelo esquisito e era muito pálido. Dizia que era Gótico! Era criatura de quem eu não gostava e evitava aproximar-me. Ora, num belo dia, resolvemos fazer trupe, pois um colega disse que havia um caloiro que costumava ir ao Madeira à noite e queria que o rapássemos. Assim fizemos e fomos fazer uma espera à porta do Madeira, onde o nosso colega saiu da trupe e foi confirmar se o caloiro ainda lá estava, o que sucedia. Só que o caloiro nunca mais saía e já estávamos a apanhar seca, mas se sabíamos que lá havia caloiro, não podíamos zarpar. Tivemos então a ideia de o nosso colega que o conhecia sair da trupe e ir lá avisá-lo que se estava a formar trupe na Republica Boa-Bay-Ela; o resultado foi que o caloiro agarrou no fino, emborcou de um trago o que faltava e saiu do Madeira, para se pisgar; foi o que queríamos! Chegado cá fora, foi “caçado” e a sentença foi proferia por mim: rapanço! Assim fizemos, mas o caloiro até nem foi dos mais rapados porque, tendo sido abordado, cooperou e foi humilde. Qual não é a minha surpresa, no dia seguinte o caloiro aparece com a cabeça lisinha, lisinha, lisinha… Parece que chegou a casa (ao lar, ao pé do antigo ISCAC, nos Olivais) e pediu aos amigos para lhe raparem a cabeça à Gillette. Ficou o Gillette!
Lembro-me que uma vez, creio que na Queima, foi para o Parque e apanhou uma borracheira descomunal. Como na altura não havia telemóveis, quando nos perdíamos ou encontrávamos o pessoal à custa de andar às voltas no Parque, ou tínhamos que vir embora sozinhos. Já não sei se a situação foi a de não encontrar ninguém, ou se foi a de achar que já estava todo desgraçado e queria era ir para casa, nem que fosse sozinho, a verdade é que veio embora sem ninguém que o acompanhasse. Subindo a avenida Sá da Bandeira, não se sentiu em condições de continuar e decidiu dormir um bocadinho. Escolheu para o efeito, o Multibanco da Caixa Geral de Depósitos, pois até estava quentinho… E foi ali que acordou no dia seguinte, rodeado por pessoas que necessitavam de levantar dinheiro!
Em determinada altura, foi morar comigo para casa da minha tia. Nessa atura, tinha o hábito de sair todas as noites para ir beber uma cerveja ao Garden (bar ao lado da FEUC) e só voltava quando aquilo fechava. O engraçado é que apanhou esse hábito na época de exames, tendo como resultado a não realização de qualquer cadeira. E não adiantava eu e o Marralheiro o avisarmos, pois ele ia lá só beber uma cerveja e já vinha estudar! Certa vez a minha tia descobriu um resto de frango assado já com não sei quanto tempo debaixo da cama dele e aproveitou a deixa para o pôr na rua (aquilo foi a desculpa, pois o verdadeiro motivo era que ele não estudava nada e ela tinha medo que ele me desencaminhasse…).
O Gillette foi quase fundador do Coral. Se bem que não tenha sido fundador (pois esta foi fundada pela Irmandade das Sombras, da qual ele não fazia parte), esteve no primeiro ensaio e na primeira actuação. E foi com o Coral que ele foi à RTP, à Praça da Alegria, na altura apresentada pelo Manuel Luís Goucha. Lá pelo intervalo do programa, não sei como, o Goucha soube que ele tinha estado a viver na Guiné-bissau e que os pais ainda lá viviam. Decidiu então, em directo, pôr o Gillette a mandar abraços e beijos aos pais (a Praça da Alegria passava na RTP internacional). Disse então o Goucha que o Gillette queria mandar um recado aos pais e pôs-lhe o microfone à frente. O Gillette começou:
- Olá pai; olá mãe; olá Becas…
- Quem é a Becas? – interrompeu o Goucha.
- É a minha irmã mais nova.
Só que, nesse dia, estava lá a Fernanda Serrano que estava sentada à minha mesa e que tinha estado a falar da sua personagem na telenovela que estava na altura no ar na RTP e na qual havia uma tal Becas que era muito má e eu respondo, ao mesmo tempo que o Gillette, que a Becas era a da telenovela. Gerou-se lá uma enorme confusão, com toda a gente a rir, Goucha e Fernanda Serrano incluídos, e foi um fartote! Uma cowboiada desgraçada em directo! E o Goucha já não deixou o Gillette dizer mais nada em condições, tendo sido ele a mandar os beijos e os abraços do Gillette, que apenas teve tempo de dizer que devia estar a estudar, mas que tinha estado a estudar na véspera até tarde e que quando chegasse a casa ia voltar imediatamente para o estudo.
Foi também com o Gillette que fizemos a serenata mais fulminante que eu conheço. O nosso herói andava interessado, naquela altura, numa moça de geografia, de um grupo de raparigas que conhecêramos. Todas elas sabiam que ele andava interessado nela, inclusive a rapariga, mas ele era tímido e praticamente nem falava com ela. Decidiu então fazer uma serenata e lá fomos nós, o Coral, até às escadas do Quebra-costas (onde a moça morava) fazer a serenata. No fim da serenata a rapariga sai disparada de casa e atira-se ao pescoço do gajo e zás! Beijo na boca! Mas não foi namoro de longa duração.
Ainda na altura em que o Gillette era gótico, o meu irmão, que na altura trabalhava numa produtora de televisão, foi a Coimbra com uma moça que apresentava o programa e que era boa todos os dias (e de noite também). Não sei a que propósito, falou-se de fazer uma sessão espírita e fomos todos, a altas horas da noite, para o Convénus Mustinto, que já de si era uma casa tenebrosa, como já referimos em crónicas anteriores. Puseram lá as letras pelo chão o toca de meter um copo no meio, tudo sentado no chão, à luz de velas e com os dedos num copo. Lá começaram eles a pedir aos espíritos que se manifestassem; pediram, pediram, pediram e os espíritos nada. O Gillette, já a começar a ficar farto de os espíritos não se manifestarem, sai-se com um “espíritos das trevas, manifestem-se!”. Foi um fartote, tudo a tentar não desatar às gargalhadas, mas lá se perdeu a concentração e os espíritos das trevas ou dos infernos não quiseram nada connosco!
E pronto, aqui estão algumas histórias que me lembro do meu amigo Gillette (ainda hoje assíduo companheiro de patuscadas em Coimbra, na Guarda ou em Mangualde. E que saudades daquelas noites, nos tempos em que vivia na minha casa (já alguns tempos depois de sairmos de casa da minha tia, já na altura em que ele estudava e fazia as cadeiras todas), passadas a jogar monopólio até às 8 horas da manhã, depois de começarmos a jogar às 22 horas um jogo rápido que era só até às 23, depois até à meia noite, até à 1, até às 2… E lá ia uma noite de estudo por água abaixo!

1 comentário:

Anónimo disse...

O gillete era tão rei.

Abraços para a malta do mafarrico.