03 janeiro 2010

O Marralheiro.

Uma das grandes figuras da Praxe de Coimbra dos anos 90 e princípio dos anos 2000, foi o nosso amigo Marralheiro. O homem que achava que a melhor profissão que se podia ter era “ser da realeza”: não era monárquico, mas dizia que se fosse ele a exercer essa profissão, que até seria!
O Marralheiro entrou em Coimbra em 1993, dois anos depois de mim. Fui encontrá-lo na fila das matrículas. Naquela altura nós não falhávamos lá e todos os anos lá íamos apanhar os caloiros “ainda fresquinhos”! Fui lá esse ano, salvo erro com o Sérgio Amaro, e demos lá com dois caloiros (um bem gordinho – o Marralheiro) na fila das matrículas, debaixo de um chapéu-de-chuva, a fazerem-se despercebidos. Lá nos metemos com eles e descobrimos que eram de economia. Lembro-me que o Marralheiro soube-me responder à célebre pergunta que tínhamos por hábito fazer aos caloiros: “qual é a sua graça?”. Já o outro que se tentava fazer despercebido, o Salgueiro, não soube. Logo ali na altura vi potencial naquele primeiranista rechonchudo, pois fez tudo o que se lhe mandava sem grandes problemas. Foi pela fila fora a perguntar às meninas de que faculdades eram e tinha instruções para que se elas dissessem que eram das faculdades de medicina, direito, ciências, letras, farmácia, economia ou psicologia (que eram todas, na altura) tinha que lhes fazer uma carantonha e dizer “blhublhublhu”. Na altura de me despedir dos caloiros, disse-lhe para não aceitar ser afilhado de ninguém sem voltar a falar comigo. Ele assim fez: segundo soube, muitos lhe propuseram ser padrinhos dele, mas ele disse que tinha ficado meio alinhavado ficar afilhado do Quim e todos se riam muito e lhe lamentavam a sorte, mas a coisa acabou mesmo por ir para a frente, e recebeu o nome de Praxe de Marralheiro.
Sobre o Marralheiro já muito escrevi neste blogue, desde a história de chamar 5 vezes burro ao inglês maluco, até à sua entrada a pés juntos pelo vidro de trás de um mini, passando pela sua oral a estatística ou a história do gato, das roubalheiras do pato com o Margaças, ou de sinais de trânsito, ou dos ratos secos, a famosa noite da GNR, ou tantas outras, mas há ainda muuuuito para contar acerca deste nosso amigo e é o que vou passar a fazer.
Enquanto primeiranista começou logo a usar capa e batina. Como não era certo da cabeça (no bom sentido), lembrou-se, em determinada altura, de andar pela rua e pela faculdade com uma corda de enforcado ao ombro. Um dia, ia ele a passar à frente do Madeira, à tarde, e estavam lá uns gajos do meu ano. Lembraram-se de o chamar e começaram a mexer-lhe na corda e meter-lhe a corda ao pescoço; o Marralheiro já não estava a achar graça àquilo, até porque eles eram naftalinosos, e começou a mandá-los parar com a brincadeira, mas os gajos parece que estavam a achar graça; até que, a certa altura, disseram: vamos parar com isto antes que ainda aqui apareça o Quim.
O Marralheiro tinha uma série de manias. Uma delas era embuçar a capa e dizer “Tem muita pinta!”. Aliás, “Tem muita pinta” era uma expressão que ele usava muitas vezes, nas mais variadas situações, e acabou por ir parar à caricatura dele na plaquete.
Outra coisa que ele fazia era, quando alguém lhe fazia alguma coisa que ele não gostava, começava por mandar estar quieto; quando não se parava, começava a dizer “Vai bardamerda!”; Segundo ele, era a ultima fase, pois após isto a sua obrigação era ir às trombas! Felizmente, comigo e com o pessoal nunca foi necessário chegar à última fase!
Tinha também a mania de se fazer desentendido. Por exemplo, se alguém queria fumar e lhe perguntava se ele tinha isqueiro, dizia que sim; a pessoa ficava à espera que ele desse o isqueiro e ele não fazia nada; quando a seguir lhe dizíamos “Então, dá cá o isqueiro”, ele respondia “Ah! Queres que to empreste? Não disseste nada… Pensei que só querias saber se tinha isqueiro”… Ou então dizia que não, que não tinha; a pessoa tentava arranjar lume noutro lado e ele dizia “Mas tenho fósforos!”… Outra era da esferográfica: se lhe perguntávamos se tinha uma caneta respondia que não; tentávamos arranjar caneta noutro lado e ele saía-se “Mas tenho esferográfica!”…
Em determinada altura em que vivia em casa da minha tia, começámos com a brincadeira de pregar partidas uns aos outros. Era eu a fazer-lhe a cama à espanhola e era ele a mim. Mas o cão, quando ma fazia à espanhola, ficava acordado à espera que eu chegasse e ia até ao meu quarto ao paleio até eu me meter na cama. Depois ria-se muito enquanto eu, geralmente bêbado, tentava entrar na cama e não entrava e tinha que sair e voltar a fazer a cama de novo. Certa vez eu e o Brandão decidimos pregar-lhe uma partida. Desatarraxámos a lâmpada do tecto do quarto dele e revirámos-lhe o quarto: colchão para fora da cama, mesas e cadeiras fora do sítio e em cima da cama, cama no meio do caminho e janela fechada para não entrar luz. A ideia era ele chegar a casa tarde e não ver nada e, ao entrar no quarto, dar com as canelas na cama. Acontece que ele nessa noite dormiu fora de casa e quem foi dar com aquilo foi a minha tia Cidalina, que me “deu uma descasca” e me obrigou a pôr tudo como devia ser!
Outra partida que eu e creio que o Chimbarrafaralho lhe fizemos foi espalhar papelinhos com coisas escritas em vários objectos do Marralheiro. Assim, dentro do copo de dentes dele pusemos um papel que dizia “Copo do camarada Marralheiro”; na cama dele “Cama do camarada Marralheiro”; na estante dos livros “Estante do camarada Marralheiro”; no espelho do quarto dele um papel a dizer “Este é o camarada Maralheiro” (para quando ele se visse ao espelho); na janela fechámos uma portada e deixámos a outra aberta, sendo que deixámos nas costas da janela aberta um papel a dizer “Boa noite camarada Marralheiro” (quando ele fechou a janela para se deitar, leu esse papel) e no vidro da portada fechada escrevemos “Bom dia camarada Marralheiro” (para quando ele a abrisse de manhã); até no saco de viagem lhe deixámos um papel que dizia “Boa viagem, camarada Marralheiro”. Enfim, foi brincadeira para vários dias, pois ao longo dos dias foi encontrando papelinhos!
O Marralheiro era pessoa para não simpatizar nada com comunismo. Dizia que aquilo era trabalhar para o monte. Por causa do seu ódio a essa ideologia, começámos a chamar-lhe Camarada Marralheiro. O gajo ficava mesmo irritado com aquilo, até que um dia eu e o Chimbarrafaralho fizemos e gravámos uma música para ele. A música era uma música da CDU que costuma passar nos carros durante as campanhas eleitorais e a letra, inventada por mim, era:

Camarada Marralheiro
Homem de luta e dores
Camarada Marralheiro
És a luz dos trabalhadores
Queres a colectivização
Dos meios de produção
Contra o capitalismo
Os trabalhadores primeiro
Viva o comunismo
Viva o Camarada Marralheiro.

Esta música passou a ser cantada em todas as nossas festividades e não só (aliás, ainda hoje a cantamos, estejamos com ele ou não). Quando ouviu a musica fez um sorriso amarelo, viu que não nos conseguia vencer e começou a levar a coisa na boa. Quando cantávamos isso até punha o punho no ar, à maneira comunista.
No seu primeiro ano o Marralheiro costumava vir em trupes minhas, como cão de fila. Uma vez estava eu numa trupe ao pé do então “ETC” quando apanhámos um caloiro. Fomos rapá-lo e o Marralheiro ficou, de capa e batina (como sempre, mesmo quando ia como cão de fila numa trupe), a falar com uns gajos que não tinham nada a ver com aquilo, não percebiam nada de Praxe e que só gostavam de Praxe e de trupes quando eram eles a fazê-las; enquanto a trupe foi rapar o caloiro, os gajos que lá estavam só criticavam a trupe, mas o Marralheiro ia-nos defendendo, ou seja, de cada vez que aqueles ignorantes falavam que a trupe era uma vergonha, que estava mal por isto, que estava mal por aquilo, o Marralheiro, que percebia de Praxe, foi-lhes explicando que não, que estava tudo bem e ia-lhes citando o código da Praxe, para demonstrar que estava tudo na legalidade (era costume dizerem que não podíamos andar embuçados quando andávamos embuçados e que não se podia ter a cara à mostra quando íamos de cara à mostra – a ignorância reproduz-se rapidamente); os gajos, que pensavam que o Marralheiro era doutor (pois estava de capa e batina) foram dando a mão à palmatória e desarmando. O pior foi quando descobriram que ele era caloiro e, ainda por cima, estava de capa e batina (que sacrilégio!!); começaram então por dizer que o caloiro não podia usar capa e batina, ao que lhes respondeu que sim, que até os bichos (os estudantes do liceu) ou os alunos das escolas técnicas podiam usar; depois, que não podia traçar a capa, ao que ele lhes mostrou que podia, pois não tinha qualquer problema nos braços que o impedisse e lá lhes falou que os caloiros só não podem tocar nas insígnias da Praxe ou na pasta; depois era porque afinal sim, afinal o caloiro podia, desde que usasse uma peça do avesso (o que os naftalinosos inventam!) e o Marralheiro lembrou-se de entrar no jogo e, em vez de dizer que aquilo era uma tolice, disse “Mas eu estou a usar”. “Ai sim?”, responderam os naftalinosos, “e qual é?”. “As cuecas!”, respondeu-lhes o Marralheiro a gozar com eles. Logo ripostaram o ignaros: “Ai é? Então deixa cá ver!”. Resposta do Marralheiro, citando o código da Praxe: “A roupa interior não está sujeita a revista!”.

Tinha decidido aqui há tempos escrever uma crónica sobre o Marralheiro e, sempre que me lembrava de alguma história engraçada passada com ele, ia tomando nota, para não me esquecer. Mas quando me sentei mesmo para escrever este texto, fui-me lembrando de outras histórias engraçadas passadas com ele (e algumas das melhores já foram contadas antes!) e acabei por terminar esta crónica já com outras tantas notas para outra. Tinha que ser assim. O Marralheiro era (e é) uma pessoa muito especial e foram muitos anos. Recordo aqui que ele entrou na minha terceira matrícula e seguiu até à minha última, pois acabámos com menos de um mês de diferença. Foram 11 anos juntos. Foi muita coisa!

8 comentários:

Anónimo disse...

O marralheiro nao era um gajo gordo, baixote, com cara de tarado?

Acho que ainda fui praxado por ele, em 2003/2004:S

Abraços
Nelo

Doutor Marralheiro disse...

Lá gordo vá, com cara de tarado não sei, mas baixote?, tenho 1,75m, para me achares baixote deves ser um gigante, e se com esse porte todo te deixaste praxar deves ter cara de cagado.

Sem recentimentos,

Marralheiro

Nalgae Piraes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Nalgae Piraes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Doutor Marralheiro disse...

Por motivos pessoais não tenho andado a par do que se tem passado.
Daí não ter ainda respondido.
Se tive os comportamentos que tive em Coimbra nada se deveram a orientações sexuais mas sim a ser uma pessoa que gosta do seu país e das suas tradições. Os seres com que convivi que gostavam de homens, foram mulheres, e a Praxe que elas praticavam nada tinha a ver com a que nós praticavamos, pelo que suponho que se os paneleiros praxassem o fariam como as mulheres fazem, visto o seu gosto sexual ser parecido.
Penso portanto que os paneleiros não praxam e penso também que a praxe está como está devido à "Femialização" da sociedade.
Mas adiante, que eu saiba, não tenho qualquer problema psicológico, mas um fulano que aqui disse ter convivido comigo durante anos, sob a capa do anonimato vir aqui insultar-me, no minimo é cobarde, pelo que se tem algum amor a quem o criou e se esse alguem não o criou como cobarde, deveria dizer quem é, deveria respirar fundo, e dizer eu sou...

Victorius Mathus disse...

Cá para mim o anónimo é bem conhecido e resolveu apenas vir espicaçar a malta.
Diz lá, foste pago pelo Batinas ou pelo Marralheiro para os insultar e fazê-los ficar bem na fotografia (como vitimas) e empolar o sucesso do blogue!
Digo mais, cá para mim és um deles! Até porque se não fosses não havia qualquer motivo para o anonimato. Não é concerteza de retaliação fisica que tens medo (que eu saiba, apesar das barriguinhas proeminentes, eles não são campeões de luta livre).
Acho que o melhor é ganhar algum carcanhol com a coisa e propôr ao betclick ou ao betandwin uma aposta sobre quem é o anónimo.
Ás tantas até são os dois só para dar mais emoção à coisa!
Ou serão bruxas...?

Chimbarrafaralho disse...

É verdade, já nem me lembrava...
Viva o camarada Maralheiro!!!

Anónimo disse...

Muito me ri eu ao ler essas histórias do Marralheiro.. Ainda me lembro de conhecer o Gillette no meu 3o ano da faculdade. Lembro de que na altura também me ria bastante com as vossas piadas e peripécias...Sao algumas das recordacoes boas que tenho desse tempo. A minha prima que é 9 anos mais nova que eu, às vezes contava que vos conhecia, a ti e ao Marralheiro e que voces ainda por lá andavam, na vida académica. Tens mesmo talento para escrever Quim, continua.

Esmeralda (sem pseudónimo).
P.S. Nao entendi muito bem um comentário que foi escrito a meu respeito neste bog, se alguém tiver algo a me dizer que se identifique e o diga directamente. :-)